Mediação na aprendizagem
Ana Lúcia Hennemann
[...]
o ensino deveria progressivamente se transformar numa autêntica
“neuro-psico-pedagogia”: a ciência unificada e cumulativa onde a
liberdade de ensino não é negada, mas voltada para a pesquisa pragmática
de um ensino melhor estruturado e mais eficaz. O conceito que exige a
experimentação é uma das belas ideias que a ciência pode aportar à
pedagogia. Experimentar não é de manhã ensaiar uma ideia que nos chegou
durante a vigília da noite anterior. Experimentar exige, ao contrário,
conceber com paciência, minúcia e levando em consideração todos os
conhecimentos passados, uma manipulação nova da estratégia de ensino,
que será comparada com uma situação de controle (outro dia, outro
exercício, outra classe).
Stanislas Dehaene
Imagine-se num local onde todos fossem fluentes na escrita e
leitura em mandarim, mas você não! O quadro estaria repleto de
atividades, todos seus colegas empenhados na execução das mesmas, mas
você... Ahhh e se além de não ter o domínio do mandarim, ainda fosse
alguém muito tímido...a situação seria pior, não seria? E se em
determinado momento o professor percebesse que você não está conseguindo
um bom desempenho acadêmico e iniciasse a averiguação de possíveis
hipóteses de sua não aprendizagem: - quem sabe você teria algum déficit
de atenção? Ou dislexia, pois disléxicos tem muita dificuldade na
aquisição da leitura! Quem sabe algum problema emocional estivesse
bloqueando sua aprendizagem...
Agora vamos aumentar um pouquinho esta imaginação, digamos que
se passaram 3 anos nesta escola... O primeiro ano, destinado a alguns
conhecimentos básicos do mandarim, seu professor estivesse passando por
situações difíceis e se exaltasse com frequência, e você por medo ou
timidez, se limitasse apenas a fazer cópias daqueles ideogramas, era uma
maneira de manter-se ocupado...concorda comigo? No ano seguinte, quem
sabe o próximo professor nem percebesse sua presença na sala de aula,
afinal de contas, você copia muito bem, não faz perguntas, e além de
tudo é tímido... Mas, chegou o terceiro ano, e aqui tem um fator
diferencial, se você não ler e escrever em mandarim e também não tiver
nenhum laudo que justifique sua não-aprendizagem, obviamente você terá
que repetir o ano...Eu sei que a história é maluca, mas gostaria que
entendesse quanto o olhar de um professor pode fazer a diferença na
aprendizagem de qualquer educando.
Frequentemente escutamos a fala de professores focada naquele aluno
que se apresenta mais inquieto, seja por hiperatividade, seja pela
constante participação. Porém, o que fazer por aqueles que são tímidos?
Introvertidos? Estes sim, precisam muito mais do que um olhar, precisam
de alguém que praticamente leiam suas intenções, percebam quando estão
em dúvida, percebam quando tinham a intenção de perguntar algo, mas não o
fazem, talvez por medo de se expor no grupo, ou por outra razão
qualquer, por isso enfatizo novamente: - O olhar do professor faz toda a
diferença na vida de uma criança. Pacheco (2007, p.150) enfatiza que “
Os professores precisam conhecer o estado de desenvolvimento dos alunos
para encontrar as tarefas apropriadas. Isso significa que eles precisam
observar os alunos para saberem para o que eles estão prontos. ”
Na psicologia cognitiva, existe a terminologia mediação, que faz
referência a “uma experiência refletida e instrutiva em que uma pessoa
bem-intencionada, experiente e ativa, geralmente um adulto, se interpõe
entre um indivíduo e as fontes de estímulos”. (DIAS 1995 apud VIANIN
2013)
O cenário educacional está repleto de excelentes profissionais
que apostam na mediação da aprendizagem como forma de auxiliar o aluno
em suas necessidades mais básicas, ou seja, procuram verificar qual
exatamente o estágio em que o aluno se encontra e a partir disso
constroem estratégias que promovam a aprendizagem. Preste atenção no
relato a seguir...
Era
início do segundo semestre do 3º ano do ensino fundamental e num jeito
muito tímido Júnior (nome fictício) ingressou na turma. Junto a ele, seu
histórico: não sabia ler, pouca participação em aula, excessiva
timidez, caderno impecável, letra exemplar, suspeita de déficit de
atenção ou dislexia.
Nas
primeiras horas dentro desta nova realidade, foram propostas algumas
atividades lúdicas, procurando integrar o aluno e investigar seu
desempenho nas mais diversas áreas. Uma mediação eficaz necessita
conhecer todas as possibilidades de atuação com o indivíduo e mesmo que
no histórico relate situações de falta de êxito em determinadas
atividades, se faz necessário verificar quais as possibilidades de
mudanças daquela realidade e dentro desta perspectiva que Júnior foi
convidado a escrever algumas palavras ditadas pela professora, ou seja,
uma sondagem da aquisição da escrita, sendo que o mesmo deveria escrever
sem medo de errar e do modo como soubesse. Resultado: o menino não
conseguiu escrever nenhuma palavra coerente, poderíamos dizer que se
encontrava na fase pré-silábica...
A
professora deu continuidade à aula, porém muito pensativa: - o que
fazer por uma criança no terceiro ano e com pouquíssimas condições de se
alfabetizar...
Num
determinado momento, lembrou de Ausubel: “a educação deve partir dos
conhecimentos prévios do aluno” e nesse sentido, Fabre (2006 apud Vianin
2013) nos diz que “o pedagogo não é aquele que teoriza sobre a prática
dos outros, mas sim sobre sua própria prática”, e eis que solicita
novamente a criança:
-
Júnior, antes pedi para você escrever algumas palavras, mas vamos fazer
diferente: do teu jeito de criança, eu quero que você me escreva,
palavras que você já sabe escrever...- e ele, com um sorriso tímido,
escreve; - bola, Júnior, Paulo, Maria, José, Marta, João... (bola, pois
ele era excelente no futebol, e as demais palavras eram os nomes dos
integrantes de sua família).
Excelente!
A professora já tinha como montar uma linha de intervenção com essas
pouquíssimas palavras e criar muitos jogos como estratégias de
aprendizagem.... Resumindo a história: - o aluno conseguiu através de
poucas atividades, porém constantes, a apropriação do processo de
leitura e escrita. Em poucos meses já conseguia ler e escrever frases
simples, mas para quem passou 3 anos olhando como se tudo fosse em
mandarim, pode-se dizer que foi um progresso espetacular.
Um mês após a vinda de Júnior para este contexto educacional
vieram os resultados de exames neurológicos...nenhum déficit cognitivo!
Entretanto, isso não descarta a possibilidade de problemas de outros
fatores, tais como os psicológicos, porém, um grande equívoco é quando o
professor fica à espera de um laudo e deixa de fazer aquilo com que se
comprometeu: - promover a aprendizagem. Não existem receitas prontas,
muito menos métodos milagrosos, mas deveria ocorrer maior investimento
na conscientização do educador como promotor do ensino de estratégias
cognitivas e metacognitivas necessárias à aprendizagem.
Será que nos anos anteriores foram propostas atividades que
aproveitasse os conhecimentos prévios do educando? O aluno por
apresentar uma timidez acentuada foi “deixado de lado” porque não
interferia no desenvolvimento da aula? Qual a práxis do educador frente a
não aprendizagem do aluno?
Há casos em que, sem a mediação do adulto a criança não consegue
aproveitar na sua totalidade os estímulos propostos pelo ambiente, por
isso se faz necessário o trabalho na “zona proximal de desenvolvimento”
(Vygotsky), ou seja, alguém que aumente a capacidade do aluno de
aproveitar as situações de aprendizagem que encontra.
O professor, diante o processo de ensinar, mantém uma relação
privilegiada do saber (Vianin, 2013), portanto compete a ele, escolher o
tipo de intervenção mediativa de que o aluno necessita. Muitas vezes,
cria-se nas escolas uma falsa ilusão de que basta colocar o aluno em
constantes atividades que a aprendizagem acontece, no entanto, se faz
necessário o entendimento que “a intervenção de uma pessoa mais
competente que a criança [...] permite ao aluno desenvolver novas
modalidades de desenvolvimento cognitivo.” (VIANIN, p.193)
Sabemos que existem muitos fatores que interferem na
aprendizagem, mas se existe um fator que faz a diferença é justamente a
figura do professor, seu comprometimento com o processo educacional, sua
práxis pautada na mediação e a busca contínua de modificar o
funcionamento cognitivo dos educandos, auxiliando-os a tomar consciência
de seus conhecimentos prévios e o quanto eles podem ser ampliados.
REFERÊNCIAS:
PACHECO, José... [et al.] Caminhos para inclusão: um guia para o aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VIANIN, Pierre. Estratégias de ajuda a alunos com dificuldade de aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013.
Mediação na aprendizagem
Ana Lúcia Hennemann
[...]
o ensino deveria progressivamente se transformar numa autêntica
“neuro-psico-pedagogia”: a ciência unificada e cumulativa onde a
liberdade de ensino não é negada, mas voltada para a pesquisa pragmática
de um ensino melhor estruturado e mais eficaz. O conceito que exige a
experimentação é uma das belas ideias que a ciência pode aportar à
pedagogia. Experimentar não é de manhã ensaiar uma ideia que nos chegou
durante a vigília da noite anterior. Experimentar exige, ao contrário,
conceber com paciência, minúcia e levando em consideração todos os
conhecimentos passados, uma manipulação nova da estratégia de ensino,
que será comparada com uma situação de controle (outro dia, outro
exercício, outra classe).
Stanislas Dehaene
Imagine-se num local onde todos fossem fluentes na escrita e
leitura em mandarim, mas você não! O quadro estaria repleto de
atividades, todos seus colegas empenhados na execução das mesmas, mas
você... Ahhh e se além de não ter o domínio do mandarim, ainda fosse
alguém muito tímido...a situação seria pior, não seria? E se em
determinado momento o professor percebesse que você não está conseguindo
um bom desempenho acadêmico e iniciasse a averiguação de possíveis
hipóteses de sua não aprendizagem: - quem sabe você teria algum déficit
de atenção? Ou dislexia, pois disléxicos tem muita dificuldade na
aquisição da leitura! Quem sabe algum problema emocional estivesse
bloqueando sua aprendizagem...
Agora vamos aumentar um pouquinho esta imaginação, digamos que
se passaram 3 anos nesta escola... O primeiro ano, destinado a alguns
conhecimentos básicos do mandarim, seu professor estivesse passando por
situações difíceis e se exaltasse com frequência, e você por medo ou
timidez, se limitasse apenas a fazer cópias daqueles ideogramas, era uma
maneira de manter-se ocupado...concorda comigo? No ano seguinte, quem
sabe o próximo professor nem percebesse sua presença na sala de aula,
afinal de contas, você copia muito bem, não faz perguntas, e além de
tudo é tímido... Mas, chegou o terceiro ano, e aqui tem um fator
diferencial, se você não ler e escrever em mandarim e também não tiver
nenhum laudo que justifique sua não-aprendizagem, obviamente você terá
que repetir o ano...Eu sei que a história é maluca, mas gostaria que
entendesse quanto o olhar de um professor pode fazer a diferença na
aprendizagem de qualquer educando.
Frequentemente escutamos a fala de professores focada naquele aluno
que se apresenta mais inquieto, seja por hiperatividade, seja pela
constante participação. Porém, o que fazer por aqueles que são tímidos?
Introvertidos? Estes sim, precisam muito mais do que um olhar, precisam
de alguém que praticamente leiam suas intenções, percebam quando estão
em dúvida, percebam quando tinham a intenção de perguntar algo, mas não o
fazem, talvez por medo de se expor no grupo, ou por outra razão
qualquer, por isso enfatizo novamente: - O olhar do professor faz toda a
diferença na vida de uma criança. Pacheco (2007, p.150) enfatiza que “
Os professores precisam conhecer o estado de desenvolvimento dos alunos
para encontrar as tarefas apropriadas. Isso significa que eles precisam
observar os alunos para saberem para o que eles estão prontos. ”
Na psicologia cognitiva, existe a terminologia mediação, que faz
referência a “uma experiência refletida e instrutiva em que uma pessoa
bem-intencionada, experiente e ativa, geralmente um adulto, se interpõe
entre um indivíduo e as fontes de estímulos”. (DIAS 1995 apud VIANIN
2013)
O cenário educacional está repleto de excelentes profissionais
que apostam na mediação da aprendizagem como forma de auxiliar o aluno
em suas necessidades mais básicas, ou seja, procuram verificar qual
exatamente o estágio em que o aluno se encontra e a partir disso
constroem estratégias que promovam a aprendizagem. Preste atenção no
relato a seguir...
Era
início do segundo semestre do 3º ano do ensino fundamental e num jeito
muito tímido Júnior (nome fictício) ingressou na turma. Junto a ele, seu
histórico: não sabia ler, pouca participação em aula, excessiva
timidez, caderno impecável, letra exemplar, suspeita de déficit de
atenção ou dislexia.
Nas
primeiras horas dentro desta nova realidade, foram propostas algumas
atividades lúdicas, procurando integrar o aluno e investigar seu
desempenho nas mais diversas áreas. Uma mediação eficaz necessita
conhecer todas as possibilidades de atuação com o indivíduo e mesmo que
no histórico relate situações de falta de êxito em determinadas
atividades, se faz necessário verificar quais as possibilidades de
mudanças daquela realidade e dentro desta perspectiva que Júnior foi
convidado a escrever algumas palavras ditadas pela professora, ou seja,
uma sondagem da aquisição da escrita, sendo que o mesmo deveria escrever
sem medo de errar e do modo como soubesse. Resultado: o menino não
conseguiu escrever nenhuma palavra coerente, poderíamos dizer que se
encontrava na fase pré-silábica...
A
professora deu continuidade à aula, porém muito pensativa: - o que
fazer por uma criança no terceiro ano e com pouquíssimas condições de se
alfabetizar...
Num
determinado momento, lembrou de Ausubel: “a educação deve partir dos
conhecimentos prévios do aluno” e nesse sentido, Fabre (2006 apud Vianin
2013) nos diz que “o pedagogo não é aquele que teoriza sobre a prática
dos outros, mas sim sobre sua própria prática”, e eis que solicita
novamente a criança:
-
Júnior, antes pedi para você escrever algumas palavras, mas vamos fazer
diferente: do teu jeito de criança, eu quero que você me escreva,
palavras que você já sabe escrever...- e ele, com um sorriso tímido,
escreve; - bola, Júnior, Paulo, Maria, José, Marta, João... (bola, pois
ele era excelente no futebol, e as demais palavras eram os nomes dos
integrantes de sua família).
Excelente!
A professora já tinha como montar uma linha de intervenção com essas
pouquíssimas palavras e criar muitos jogos como estratégias de
aprendizagem.... Resumindo a história: - o aluno conseguiu através de
poucas atividades, porém constantes, a apropriação do processo de
leitura e escrita. Em poucos meses já conseguia ler e escrever frases
simples, mas para quem passou 3 anos olhando como se tudo fosse em
mandarim, pode-se dizer que foi um progresso espetacular.
Um mês após a vinda de Júnior para este contexto educacional
vieram os resultados de exames neurológicos...nenhum déficit cognitivo!
Entretanto, isso não descarta a possibilidade de problemas de outros
fatores, tais como os psicológicos, porém, um grande equívoco é quando o
professor fica à espera de um laudo e deixa de fazer aquilo com que se
comprometeu: - promover a aprendizagem. Não existem receitas prontas,
muito menos métodos milagrosos, mas deveria ocorrer maior investimento
na conscientização do educador como promotor do ensino de estratégias
cognitivas e metacognitivas necessárias à aprendizagem.
Será que nos anos anteriores foram propostas atividades que
aproveitasse os conhecimentos prévios do educando? O aluno por
apresentar uma timidez acentuada foi “deixado de lado” porque não
interferia no desenvolvimento da aula? Qual a práxis do educador frente a
não aprendizagem do aluno?
Há casos em que, sem a mediação do adulto a criança não consegue
aproveitar na sua totalidade os estímulos propostos pelo ambiente, por
isso se faz necessário o trabalho na “zona proximal de desenvolvimento”
(Vygotsky), ou seja, alguém que aumente a capacidade do aluno de
aproveitar as situações de aprendizagem que encontra.
O professor, diante o processo de ensinar, mantém uma relação
privilegiada do saber (Vianin, 2013), portanto compete a ele, escolher o
tipo de intervenção mediativa de que o aluno necessita. Muitas vezes,
cria-se nas escolas uma falsa ilusão de que basta colocar o aluno em
constantes atividades que a aprendizagem acontece, no entanto, se faz
necessário o entendimento que “a intervenção de uma pessoa mais
competente que a criança [...] permite ao aluno desenvolver novas
modalidades de desenvolvimento cognitivo.” (VIANIN, p.193)
Sabemos que existem muitos fatores que interferem na
aprendizagem, mas se existe um fator que faz a diferença é justamente a
figura do professor, seu comprometimento com o processo educacional, sua
práxis pautada na mediação e a busca contínua de modificar o
funcionamento cognitivo dos educandos, auxiliando-os a tomar consciência
de seus conhecimentos prévios e o quanto eles podem ser ampliados.
REFERÊNCIAS:
PACHECO, José... [et al.] Caminhos para inclusão: um guia para o aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007.
VIANIN, Pierre. Estratégias de ajuda a alunos com dificuldade de aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013.
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