Em
tempos não muito distantes o processo de alfabetização se caracterizava
pela necessidade de os alunos decorarem letras ou sílabas e
posteriormente à junção das mesmas, formando assim algumas palavras
completamente descontextualizadas da realidade do aluno. Em suma, alunos
que tinham facilidade em decorar, aprendiam rapidamente, os demais
deveriam esforçar-se bastante, a fim de compreender o que significavam
aqueles “símbolos” que diariamente lhes eram apresentados.
As formas tradicionais de alfabetização[1]também
consideravam que se deveria “ensinar” às crianças que cada letra
representa um som, acreditando que isso garantiria sucesso, como se o
processo de alfabetização pudesse se resumir ao aprendizado de letras e
sílabas.
Nos livros escritos por Emília Ferreiro, há citações que retratam esta realidade, como
Tradicionalmente
as discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado na
polêmica sobre os métodos utilizados: métodos analíticos versus métodos
sintéticos: fonético versus global, etc. Nenhuma dessas discussões levou
em conta o que agora conhecemos: as concepções das crianças sobre o
sistema de escrita. Se aceitarmos que a criança não é uma tábua rasa
onde se inscrevem letras e as palavras segundo determinado método; se
aceitarmos que o “fácil” e o “difícil” não podem ser definidos a partir
da perspectiva do adulto, mas da de quem aprende; se aceitarmos que
qualquer informação deve ser assimilada (e, portanto transformada) para
ser operante, então deveríamos também aceitar que os métodos (como
seqüência de passos ordenados para chegar a um fim) não oferecem mais do
que sugestões, incitações, quando não práticas rituais ou conjunto de
proibições. O método não pode criar conhecimento. (FERREIRO, 1986, p.
29)
Ser
alfabetizado é mais do que traduzir o texto escrito, é principalmente,
compreender o que está escrito, processar o significado da mensagem que o
autor pretende transmitir. Ingressa então a perspectiva do letramento,
fazendo com que ele exerça sua condição de alfabetizado, sendo realmente
um interlocutor do texto, compreendendo, aceitando ou questionando o
conteúdo do que lê.
Desde
muito cedo, as crianças já convivem com a língua escrita no seu
dia-a-dia. Essa convivência faz com que elas elaborem estratégias de
compreensão e apropriação do sistema da escrita. Se a criança for levada
a entender que a escrita é apenas a transcrição de sons em letras, ela
considerará a aprendizagem da escrita como aquisição de uma técnica. Por
outro lado, se entender que a escrita é um sistema como aquisição da
língua, sua aprendizagem se voltará para um conhecimento novo. Ferreiro,
há um bom tempo atrás, já fazia menções sobre estes aspectos,
A
criança trabalha cognitivamente (isto é, procura compreender) desde
muito cedo informações das mais variadas procedências: os próprios
textos nos respectivos contextos em que aparecem (embalagens, cartazes
de rua, tevê, peças de vestuário, assim como livros e periódicos);
informação específica destinada às crianças (alguém lê uma história para
elas, diz-lhes que esta ou aquela forma é uma letra ou um número,
escreve seu nome para elas, etc.); informação obtida através de sua
participação em atos sociais dos quais fazem parte o ler e o escrever.
[...] Provavelmente, é através de uma participação ampla e firme nesse
tipo de situações sociais que a criança chega a entender alguns usos
sociais da escrita. (FERREIRO, 1986, p. 98)
PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE EMÍLIA FERREIRO
Para ajudar a entender melhor o processo de construção da leitura e da escrita, procurei embasamento teórico em Emília Ferreiro,
pesquisadora argentina que desenvolveu uma teoria ligada à
alfabetização. Sendo que irei abordar em pequenos tópicos do que se
trata esta teoria, que tem como característica, três etapas principais:
Nível Pré-Silábico, Nível Silábico e Nível Alfabético.
Nível Pré-silábico
Caminhando
na direção da representação da língua, a criança percebe que, além do
desenho, existe outra forma de representá-la e passa a utilizar marcas,
podendo ser garatujas, números ou até letras.
Nos
primeiros momentos dessa produção “escrita”, quando já existe a vontade
de representar através da escrita, isto é, quando o aluno já diferencia
desenho de escrita, ela ainda não tenta representar a palavra e sim o
objeto. Se uma criança for mostrada a uma garrafa e solicitamos que ela
escreva o nome do objeto, ela fará a tal representação imaginando que
está representando a garrafa (objeto) e não a palavra garrafa. Essa fase
é a denominada nível pré-silábico.
Aqui,
a criança acredita que existam umas “figuras” para serem lidas e outras
que não servem para ler, isto é, os desenhos não servem para serem
lidos e as letras e números - que não são diferenciados ainda - servem
para leitura. Baseada na teoria de Ferreiro, Grossi ressalta,
Em
grandes linhas, no nível pré-silábico os sujeitos que aprendem têm uma
visão sincrética dos elementos da alfabetização. Letras podem estar
associadas a palavras inteiras, portanto representam um ente global, por
exemplo, quando eles se referem à “minha letra”, isto é, à letra do seu
nome. Por outro lado, uma página inteira de letras pode corresponder a
uma só palavra. Não há discriminação das unidades lingüísticas e,
sobretudo há completa ausência de vinculação entre a pronúncia das
partes de uma palavra ou de uma frase e sua escrita. Os problemas que o
sujeito se coloca neste nível, a respeito da alfabetização, se referem a
amplos interrogantes sobre como se representam graficamente aspectos da
realidade elaborados pelo pensamento verbal. Ele começa a se questionar
sobre o significado dos sinais escritos – estes risquinhos sobre o
papel, isto é, o que representa a escrita. (GROSSI, 1990, p.56)
Para
a “leitura”, que nesse momento é global e também para a escrita, a
criança usa critérios quantitativos e qualitativos. Os primeiros se
referem principalmente à quantidade de letras. Para se obter escritas:
mínimo de 3 letras e máximo de 7. O segundo tipo de critério faz com que
a criança utilize as mesmas marcas ou letras para representar coisas
diferentes, apenas variando a posição das letras. Nessa fase, os alunos
acham que os nomes das pessoas e das coisas têm relação com o seu
tamanho ou idade, isso é denominado realismo nominal. Ao escrever
elefante, a criança usará muitas letras por ser um animal grande, já
para escrever formiguinha usará poucas letras, devido ao tamanho da
formiga.
Nível silábico
Nessa
fase, a escrita não representa mais o objeto e sim a letra e o
alfabetizando começa a perceber que os segmentos da escrita podem
representar os sons da fala, e, a partir daí, formula a hipótese de que
cada letra vale uma sílaba. Escreve por exemplo IAG para representar a
palavra GIRAFA. Num grau de evolução maior as crianças já empregam em
suas grafias as vogais como marcos silábicos e com o seu valor
convencional. Por exemplo, para escrever gato ou pato utilizam as mesmas
vogais “AO”. Isso gera um conflito nos alunos que, até então,
acreditavam que para escrever palavras diferentes era necessárias letras
diferentes.
Outras
contradições dizem respeito aos monossilábicos que, por essa hipótese
(silábica), deveriam ser escritos com apenas uma letra, mas pela
hipótese anterior (pré-silábica), uma palavra não poderia ter menos de
três letras. Quando a criança está na transição entre as hipóteses
pré-silábicas e silábicas e quer escrever, por exemplo, a palavra pé,
normalmente usa apenas a letra E, mas como supõe que não pode escrever
palavras com menos de três letras ela acrescenta outras, escrevendo “pé”
da seguinte forma: EBN.
Grossi sistematiza o nível silábico, da seguinte maneira,
No
caso da entrada no nível silábico, o sujeito deixou de apoiar-se em
idéias de vinculação dos aspectos figurativos do referente à palavra que
o representa, superou a visão global da palavra como um todo para
considerá-la formada por segmentos, encontrou um suporte que garante a
estabilidade da escrita das palavras, isto é, cada palavra é sempre
escrita com as mesmas letras (não pode acontecer mais de associar
palavras diferentes a escritas iguais nem escritas diferentes se
associarem a uma mesma palavra), começa a ver que tudo o que diz se
escreve (não só os substantivos concretos)... Isto tudo significa uma
revolução impressionante na maneira de pensar do sujeito que está
investindo sobre a escrita, e esta revolução impressionante na maneira
de pensar do sujeito que está investindo sobre a escrita, e esta
revolução foi apenas esboçada. Ele colocou novos alicerces no edifício
do seu raciocínio, estabelecendo novos pontos de apoio, mas é preciso,
como na construção de uma casa, fechar paredes, pôr-lhe cobertura, etc.
Esta segunda fase intelectual é o que Piaget denomina de fase
discursiva. (GROSSI, 1990, p.56)
Entretanto
o alfabetizando irá com o passar do tempo entrar em uma fase
intermediária entre os níveis silábico e alfabético. Sendo assim,
descobre que a sílaba não é a menor unidade da palavra; e que uma letra
sozinha não serve para representar uma sílaba que, em geral, é composta
por elementos menores ainda. Ao descobrir que o esquema de uma letra
para cada sílaba não funciona, a primeira tentativa da criança é
acrescentar mais letras aleatoriamente. O que vai ajudá-la é a noção da
escrita de algumas palavras que já conhece como seu nome, os nomes de
seus familiares ou de pessoas conhecidas, nomes dos produtos de seu uso e
outros. Segundo Grossi,
O
confronto entre as grafias corretas de palavras e o tipo de escrita
silábica produzido pela criança é fonte de reflexão, e ajuda a passagem
para o nível alfabético, por que o aluno se dá conta de que há algo
incorreto na sua escrita que necessita ser alterado. (GROSSI, 1990,
p.21)
Nesse
momento, como em todos os outros, é de suma importância que a o aluno
tenha contato com variados portadores de texto e vários registros
escritos para que avance em seu processo de construção. O contato com
jogos e atividades em que as letras e sílabas sejam móveis, é muito
importante para que a criança evolua na sua construção alfabética.
Nível alfabético
No
início dessa hipótese, o estudante procurará solucionar esse problema
acrescentado letras às palavras novamente. Surgirão outros conflitos:
logo perceberá que, em algumas vezes, um único fonema pode ser
representado por várias letras e que pode existir mais de uma letra para
um mesmo fonema. Ela também percebe que, a partir do contexto em que
está inserida, a palavra deverá ser lida diferentemente.
Grossi coloca como de suma importância o professor saber que,
[...]
ter compreendido a formação alfabética das sílabas, não tem vinculação
expressa com o reconhecimento do valor convencional das sílabas não tem
vinculação com o reconhecimento do valor convencional do som das letras
escritas. Um aluno pode estar alfabético conhecendo pequeno ou grande
número de letras. Por isso, continuar trabalhando este reconhecimento
pode ser necessário mesmo para alunos alfabéticos. Também é importante
assinalar que somente no nível alfabético uma vinculação mais coerente
consegue ser estabelecida entre leitura e escrita que, até então, tinham
laço esporádico, flutuante, gratuito ou tênue. (GROSSI, 1990, p.24)
Tudo
isso que gera conflitos nos alunos que serão levadas à descoberta de
que existem regras para a escrita e que certas ”coisas”, certas regras
devem ser memorizadas ou, segundo Piaget, devem ser “assimiladas”. As
regras para a ortografia correta deverão ser trabalhadas somente quando a
criança já estiver completamente alfabetizada, quando poderá passar ao
nível ortográfico.
EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA SALA TEXTUALIZADA
No
processo de construção de conhecimento, as crianças de idades
aproximadas e expostas aos mesmos estímulos não aprendem em ritmo
uniforme. Em geral, as que tiveram contato, desde cedo, com situações de
letramento[2],
assistindo e participando de atos de leitura e de escrita, levam para a
escola conhecimentos prévios que facilitam sua alfabetização.
Mas
o fato de os alunos da turma estar em estágios diferentes de
letramento, ao invés de ser uma desvantagem, torna-se uma vantagem,
quando o professor souber tirar proveito da situação. Enfatizando estas
palavras Grossi, ressalta,
Dificilmente
uma classe inteira de alunos avança igualmente no mesmo espaço de
tempo. Esta heterogeneidade, ao invés de atrapalhar é muito benéfica ao
andamento dos trabalhos em aula. Na inteiração
de pontos de vista diferentes aumenta as possibilidades de aprender. A
emulação que se cria quando os alunos se percebem em níveis distintos,
se bem conduzidas, é fator de muito progresso numa classe. (GROSSI,
1990, p.27)
A
primeira e mais eficiente estratégia consiste em agrupar os alunos por
níveis diferentes de desenvolvimento, sempre deixando no grupo um aluno
mais adiantado. Este servirá de estímulo para os outros avançarem do
estágio em que se concentram (Desenvolvimento Real) para o estágio
seguinte (Estágio Potencial) [3].
Ter o colega como modelo, ou mesmo como monitor, é mais produtivo por
várias razões: O colega está mais próximo, fisicamente, o tempo todo. O
colega não é adulto, portanto é mais acessível do ponto de vista da
criança, é gratificante para o colega informante servir de monitor.
Com
a contribuição de pesquisadores como Vygotsky, Ferreiro e outros, o
conceito de alfabetização, bem como o modo de processá-lo, vem-se
modificando nos últimos dez anos. A criança se alfabetiza participando
de verdadeiros atos de leitura como: escutando histórias lidas,
reproduzindo a história em voz alta, “relendo-a” e reconhecendo aqui e
ali uma palavra do texto. Também “lendo” histórias em livros e revistas,
mesmo não sabendo decodificar os escritos, mas sendo auxiliada pelas
imagens e uma ou outra palavra reconhece.
Comparando
rótulos de produtos similares e marcas diferentes, reconhecendo-os
pelas cores, logotipos e escritos. “Lendo” e produzindo bilhetes,
cartas, convites para destinatários reais, antes de saber codificar e
decodificar o que escreve. Trazendo para a classe e “lendo” as outras
por educação. Comparando os nomes dos colegas com o dela e descobrindo
que o tamanho da palavra não é relativo ao tamanho ou à idade do ser
nomeado, mas relativo à pauta sonora que indica a quantidade de sílabas
da palavra e, posteriormente, quantos e quais fonemas a formam.
Nesse
sentido é importante trabalharmos de acordo com as orientações
transmitidas pelo MEC a respeito do Ensino Fundamental de nove anos,
pois segundo Borba,
Aprender
a ler imagens, sons, objetos, ampliam nossas possibilidades de sentir e
refletir sobre novas ações que criem outras formas de vida no sentido
de uma sociedade justa e feliz, assim como incita as crianças a também
se tornarem autoras de suas produções e de suas vidas ao mesmo tempo em
que se responsabilizam pela nossa herança cultural, por descobrirem seu
valor. (BORBA, 2007, p. 55)
Estamos
no século XXI, mas, ainda há muitas dúvidas sobre a melhor forma de
alfabetizar nossos alunos. Entretanto com o novo paradigma do ensino
fundamental de nove anos, temos que ter muita “bagagem teórica” e
ajustá-la a nossa prática, procurando dar o nosso melhor e ampliar todas
as possibilidades de fazer nossos alunos interagir evidenciando aquilo
que sabem e como o sabem. Precisamos ter uma visão bem clara de qual
nível cada aluno se encontra e procurar fazê-lo almejar a ir em busca de
algo a mais. Se há algum método de alfabetização de melhor eficácia?
Por enquanto não sei, mas com certeza qualquer método só será bom quando
ele estiver voltado para o ser, o fazer, o conhecer e o aprender.
Diante deste paradigma destaco as orientações dadas pelo MEC, quanto ao Ensino Fundamental de nove anos,
Nessa
faixa etária a criança já apresenta grandes possibilidades de
simbolizar e compreender o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo
múltiplas linguagens. [...] especificamente em relação à linguagem
escrita, a criança, nessa idade ou fase de desenvolvimento, que vive
numa sociedade letrada, possui um forte desejo de aprender, somado ao
especial significado que tem para ela freqüentar uma escola. [...]
Contudo, no que se refere ao aprendizado da linguagem escrita, a escola
possui um papel fundamental e decisivo, sobretudo para as crianças
oriundas de famílias de baixa renda e de pouca escolaridade. Do ponto de
vista pedagógico, é fundamental que a alfabetização seja adequadamente
trabalhada nessa faixa etária considerando-se que esse processo não se
inicia somente aos seis ou sete anos de idade, pois, em vários casos,
inicia-se bem antes, fato bastante relacionado à presença e ao uso da
língua escrita no ambiente da criança. As crianças não compreendidas
nesse quadro levam os professores a preocuparem-se com o que eles
consideram insuficiência ou ineficiência de requisitos. (MEC, 2004, p.
19-20)
Ao
fazer uma leitura mais detalhada destas orientações nota-se que as
crianças não devem ser consideradas como tábuas rasas no que diz
respeito à leitura e a escrita, e que devemos primar para que as mesmas
tenham contato com esse universo, mesmo antes de chegar ao contexto
escolar, nesse sentido a contextualização dessas crianças vão ao
encontro da aprendizagem inclusiva, a globalização, a incorporação de
novos valores sociais. Também dentro destas orientações cito o seguinte
parágrafo,
O
fato de as crianças serem alfabetizadas formalmente a partir dos seis
anos não constitui uma novidade no meio educacional brasileiro. Sabemos
que um grande número de crianças das camadas populares que têm
experiências relacionadas à alfabetização na instituição de educação
infantil, ou mesmo em casa, demonstra condições cognitivas necessárias a
este aprendizado. (MEC, 2004, p. 21)
Nesse
sentido também faço ressalvas as palavras de Oliveira, pois nos
alerta que não há uma idade propicia para a alfabetização, entretanto
Por
volta de 6 anos todos os mecanismos básicos para aprender já estão bem
estabelecidos. Também por volta do 6º aniversário começam a se
consolidar as áreas de associação terciárias na córtex pré-frontal. Esse
cabeamento neuronal permite à criança maior autocontrole e menor
dependência do córtex visual.(OLIVEIRA, 2006, p.12)
Como educadores devemos estar atentos a tudo e a todo o universo que cerca os nossos educandos, talvez o que antes já fora algo essencial, tais como os métodos iniciais de alfabetização e os mais recentes tais como nos aponta Ferreiro, já estão se tornando passado, pois estudos recentes voltados à neuropsicologia[4] apresentam novas fases do processo de alfabetização, conforme Fuentes
De
acordo com Ehri (1992, 1998, 2005), o desenvolvimento da habilidade de
ler palavras de memória desenvolve-se gradualmente, à medida que a
criança aprende os nomes e sons das letras e desenvolve a habilidade de
prestar atenção aos sons que compõem as palavras. Ehri descreve esse
desenvolvimento em quatro fases, cada um delas caracterizada por uma
estratégia dominante, embora de forma alguma exclusiva: 1.
pré-alfabética[5]; 2. alfabética parcial[6]; 3. alfabética completa[7]; 4. alfabética consolidada[8]. (FUENTES, 2008, p. 152)
Diante dessa abordagem ressalto o programa de formação continuada de professores, disponível no site do MEC, intitulado Pró-Letramento – Alfabetização e Linguagem, atualizado no ano de 2007 e com vistas ao Ensino Fundamental de nove anos,
especificamente no fascículo 1, que se organiza em torno de dois
objetivos: “- apresentar conceitos e concepções fundamentais ao processo
de alfabetização; - sistematizar as capacidades a serem atingidas pelas
crianças ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental de nove
anos” (MEC, 2007, p. 8). De forma muito sutil, inicia-se aí uma das
primeiras tentativas de organização curricular a nível nacional voltada
ao processo de alfabetização, no decorrer dos três primeiros anos do
Ensino Fundamental.
Frente
a essa perspectiva, o professor alfabetizador não é mais somente aquele
da primeira série, quando então tínhamos o Ensino Fundamental de 8
anos, mas sim todo e qualquer professor que atua nas séries iniciais
desse nível de ensino. Sendo assim, todos devem ter clareza de como se
dá a aprendizagem nesta faixa etária, bem como que tipo de metodologias
mais eficazes que contemplem o desenvolvimento de cada aluno.
[1] Métodos sintéticos –
partem da letra, da relação letra/som ou da sílaba, para chegar à
palavra. Consistem fundamentalmente entre a correspondência entre o oral
e o escrito, entre o som e a grafia. Consistem em ir das partes para o
todo.
[2] O processo de letramento,
tanto na leitura como na escrita, foi surgindo à medida que a vida
social e as foi-se revelando a insuficiência em apenas alfabetizar.
Portanto, o surgimento da palavra letramento deu-se pela insuficiência
de recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de
aprendizagem que realmente ampliassem o significado de alfabetização.
Alguém letrado é alguém que além de ler, tem clareza do que aquilo quer
dizer, ou seja, faz uma interpretação, faz uma leitura do contexto.
[3] Vygotsky descreve
dois níveis de desenvolvimento, denominados desenvolvimento real e
desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi
consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver
situações de forma a utilizando seu conhecimento de forma autônoma. O
nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os
processos de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é determinado
pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém encontram-se em processo. Isto significa
que a dialética que gerou o desenvolvimento real, gerou também
habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já
consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o
sujeito poderá construir.
[4] A neuropsicologia é
um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações
existentes entre e o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por
um lado, e as funções cognitivas por outro, tanto nas condições normais
quanto nas patologias.
[5] Pré-alfabética –
Durante a fase pré-alfabética, as crianças não parecem prestar atenção
às letras na grafia das palavras. Ao invés disso, elas aprendem a ler
com base na formação de uma conexão entre um aspecto saliente na grafia
da palavra ou ao seu redor (p. ex., o arco dourado que aparece atrás do
rótulo McDonald’s) e seu significado e/ou pronúncia. Com efeito, as
crianças em idade pré-escolar que participaram do estudo de Masonheimer,
Drum e Ehri(1984) mostraram-se alheias às trocas de letras introduzidas
em uma série de rótulos familiares (p. ex., Xepsi no lugar de Pepsi ou
OcDonald’s no lugar de McDonald’s) e continuaram a ler os rótulos como
se nada tivesse sido alterado (p. ex., lendo Pepsi em vez do Xepsi).
[6] Alfabética parcial –
À medida que as crianças aprendem os nomes e os sons das letras, elas
começam a compreender que as letras representam sons na pronuncia das
palavras e passam a ler por meio do processamento e do armazenamento de
relações entre as letras e os sons. Inicialmente, contudo, a criança só é
capaz de processar relações letra-som para algumas letras nas palavras,
talvez a primeira e a última letra. Por exemplo, ao ver e escutar a
palavra bebê, a criança pode notar que a letra “b” no início e no meio
da palavra corresponde ao som/be/que ela é capaz de detectar na
pronúncia da palavra. Essa compreensão permite-lhe usar informação de
natureza visuofonológica para criar uma via de acesso à memória, de
maneira que, ao ver a grafia da palavra novamente, ela consegue se
lembrar tanto do seu significado quanto de sua pronúncia. Contudo, uma
vez que a criança só é capaz de processar relações letra-som
parcialmente, a representação da palavra é ainda incompleta, algo como
B_B_.
[7] Alfabética Completa –
Caracteriza-se pela habilidade de ler por meio da recodificação
fonológica e requer o processamento de todas as relações letra-som na
palavra. Essa habilidade permite ao leitor armazenar representações
completas da grafia das palavras na memória. Como conseqüência a leitura
torna-se mais acurada. Ou seja, o leitor nessa fase é capaz de
identificar uma palavra familiar, como por exemplo, gato, a despeito de
sua semelhança com outras palavras também familiares como, por exemplo,
gata, gado, galo, gota, gola, pato, jato, etc.
[8] Alfabética Consolidada –
À medida que o vocabulário visual aumenta, sequencias de letras que
ocorrem em diversas palavras (e seus respectivos sons) são consolidadas
em unidades maiores, tornando os leitores capazes de operar com unidades
correspondentes a morfemas e/ou sílabas. Essas unidades são mais
econômicas, por que ajudam a reduzir o número de conexões entre a
escrita e a fala, necessárias para processar e armazenar a grafia das
palavras na memória.
REFERÊNCIAS:
BORBA, Ângela Meyer. As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola/ Ensino
Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de
seis anos de idade / org. Jeanete Beauchamp; Sandra Denise Pagel;
Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de educação Básica, 2007.
BRASIL- Lei nº 9394 de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília, DF, 1996.
FEIL, Iselda Terezinha Sausen. Alfabetização – Um Desafio Novo para um Novo Tempo. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1986.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FUENTES, D., MALLOY-DINIZ L. F., CAMARGO, C. H. P., COSENZA, R. M. et. al. (2008). Neuropsicologia – Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 1 Didática do nível pré-silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 2 Didática do nível silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 3 Didática do nível alfabético. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
MEC. - Ensino Fundamental de nove anos- Orientações Gerais. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Básica, 2004.
OLIVEIRA,João Batista Araújo e. SILVA, Liz Carlos Faria da. O impacto das séries iniciais: educação infantil, analfabetismo funcional e eqüidade. Artigo apresentado no Seminário sobre educação e Equidade, IETS – em outubro de 2006. Submetido para publicação. Disponível emhttp://www.iets.org.br/biblioteca/O_impacto_das_series_iniciais.pdf último acesso em 26/06/09
Em
tempos não muito distantes o processo de alfabetização se caracterizava
pela necessidade de os alunos decorarem letras ou sílabas e
posteriormente à junção das mesmas, formando assim algumas palavras
completamente descontextualizadas da realidade do aluno. Em suma, alunos
que tinham facilidade em decorar, aprendiam rapidamente, os demais
deveriam esforçar-se bastante, a fim de compreender o que significavam
aqueles “símbolos” que diariamente lhes eram apresentados.
As formas tradicionais de alfabetização[1]também
consideravam que se deveria “ensinar” às crianças que cada letra
representa um som, acreditando que isso garantiria sucesso, como se o
processo de alfabetização pudesse se resumir ao aprendizado de letras e
sílabas.
Nos livros escritos por Emília Ferreiro, há citações que retratam esta realidade, como
Tradicionalmente
as discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado na
polêmica sobre os métodos utilizados: métodos analíticos versus métodos
sintéticos: fonético versus global, etc. Nenhuma dessas discussões levou
em conta o que agora conhecemos: as concepções das crianças sobre o
sistema de escrita. Se aceitarmos que a criança não é uma tábua rasa
onde se inscrevem letras e as palavras segundo determinado método; se
aceitarmos que o “fácil” e o “difícil” não podem ser definidos a partir
da perspectiva do adulto, mas da de quem aprende; se aceitarmos que
qualquer informação deve ser assimilada (e, portanto transformada) para
ser operante, então deveríamos também aceitar que os métodos (como
seqüência de passos ordenados para chegar a um fim) não oferecem mais do
que sugestões, incitações, quando não práticas rituais ou conjunto de
proibições. O método não pode criar conhecimento. (FERREIRO, 1986, p.
29)
Ser
alfabetizado é mais do que traduzir o texto escrito, é principalmente,
compreender o que está escrito, processar o significado da mensagem que o
autor pretende transmitir. Ingressa então a perspectiva do letramento,
fazendo com que ele exerça sua condição de alfabetizado, sendo realmente
um interlocutor do texto, compreendendo, aceitando ou questionando o
conteúdo do que lê.
Desde
muito cedo, as crianças já convivem com a língua escrita no seu
dia-a-dia. Essa convivência faz com que elas elaborem estratégias de
compreensão e apropriação do sistema da escrita. Se a criança for levada
a entender que a escrita é apenas a transcrição de sons em letras, ela
considerará a aprendizagem da escrita como aquisição de uma técnica. Por
outro lado, se entender que a escrita é um sistema como aquisição da
língua, sua aprendizagem se voltará para um conhecimento novo. Ferreiro,
há um bom tempo atrás, já fazia menções sobre estes aspectos,
A
criança trabalha cognitivamente (isto é, procura compreender) desde
muito cedo informações das mais variadas procedências: os próprios
textos nos respectivos contextos em que aparecem (embalagens, cartazes
de rua, tevê, peças de vestuário, assim como livros e periódicos);
informação específica destinada às crianças (alguém lê uma história para
elas, diz-lhes que esta ou aquela forma é uma letra ou um número,
escreve seu nome para elas, etc.); informação obtida através de sua
participação em atos sociais dos quais fazem parte o ler e o escrever.
[...] Provavelmente, é através de uma participação ampla e firme nesse
tipo de situações sociais que a criança chega a entender alguns usos
sociais da escrita. (FERREIRO, 1986, p. 98)
PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE EMÍLIA FERREIRO
Para ajudar a entender melhor o processo de construção da leitura e da escrita, procurei embasamento teórico em Emília Ferreiro,
pesquisadora argentina que desenvolveu uma teoria ligada à
alfabetização. Sendo que irei abordar em pequenos tópicos do que se
trata esta teoria, que tem como característica, três etapas principais:
Nível Pré-Silábico, Nível Silábico e Nível Alfabético.
Nível Pré-silábico
Caminhando
na direção da representação da língua, a criança percebe que, além do
desenho, existe outra forma de representá-la e passa a utilizar marcas,
podendo ser garatujas, números ou até letras.
Nos
primeiros momentos dessa produção “escrita”, quando já existe a vontade
de representar através da escrita, isto é, quando o aluno já diferencia
desenho de escrita, ela ainda não tenta representar a palavra e sim o
objeto. Se uma criança for mostrada a uma garrafa e solicitamos que ela
escreva o nome do objeto, ela fará a tal representação imaginando que
está representando a garrafa (objeto) e não a palavra garrafa. Essa fase
é a denominada nível pré-silábico.
Aqui,
a criança acredita que existam umas “figuras” para serem lidas e outras
que não servem para ler, isto é, os desenhos não servem para serem
lidos e as letras e números - que não são diferenciados ainda - servem
para leitura. Baseada na teoria de Ferreiro, Grossi ressalta,
Em
grandes linhas, no nível pré-silábico os sujeitos que aprendem têm uma
visão sincrética dos elementos da alfabetização. Letras podem estar
associadas a palavras inteiras, portanto representam um ente global, por
exemplo, quando eles se referem à “minha letra”, isto é, à letra do seu
nome. Por outro lado, uma página inteira de letras pode corresponder a
uma só palavra. Não há discriminação das unidades lingüísticas e,
sobretudo há completa ausência de vinculação entre a pronúncia das
partes de uma palavra ou de uma frase e sua escrita. Os problemas que o
sujeito se coloca neste nível, a respeito da alfabetização, se referem a
amplos interrogantes sobre como se representam graficamente aspectos da
realidade elaborados pelo pensamento verbal. Ele começa a se questionar
sobre o significado dos sinais escritos – estes risquinhos sobre o
papel, isto é, o que representa a escrita. (GROSSI, 1990, p.56)
Para
a “leitura”, que nesse momento é global e também para a escrita, a
criança usa critérios quantitativos e qualitativos. Os primeiros se
referem principalmente à quantidade de letras. Para se obter escritas:
mínimo de 3 letras e máximo de 7. O segundo tipo de critério faz com que
a criança utilize as mesmas marcas ou letras para representar coisas
diferentes, apenas variando a posição das letras. Nessa fase, os alunos
acham que os nomes das pessoas e das coisas têm relação com o seu
tamanho ou idade, isso é denominado realismo nominal. Ao escrever
elefante, a criança usará muitas letras por ser um animal grande, já
para escrever formiguinha usará poucas letras, devido ao tamanho da
formiga.
Nível silábico
Nessa
fase, a escrita não representa mais o objeto e sim a letra e o
alfabetizando começa a perceber que os segmentos da escrita podem
representar os sons da fala, e, a partir daí, formula a hipótese de que
cada letra vale uma sílaba. Escreve por exemplo IAG para representar a
palavra GIRAFA. Num grau de evolução maior as crianças já empregam em
suas grafias as vogais como marcos silábicos e com o seu valor
convencional. Por exemplo, para escrever gato ou pato utilizam as mesmas
vogais “AO”. Isso gera um conflito nos alunos que, até então,
acreditavam que para escrever palavras diferentes era necessárias letras
diferentes.
Outras
contradições dizem respeito aos monossilábicos que, por essa hipótese
(silábica), deveriam ser escritos com apenas uma letra, mas pela
hipótese anterior (pré-silábica), uma palavra não poderia ter menos de
três letras. Quando a criança está na transição entre as hipóteses
pré-silábicas e silábicas e quer escrever, por exemplo, a palavra pé,
normalmente usa apenas a letra E, mas como supõe que não pode escrever
palavras com menos de três letras ela acrescenta outras, escrevendo “pé”
da seguinte forma: EBN.
Grossi sistematiza o nível silábico, da seguinte maneira,
No
caso da entrada no nível silábico, o sujeito deixou de apoiar-se em
idéias de vinculação dos aspectos figurativos do referente à palavra que
o representa, superou a visão global da palavra como um todo para
considerá-la formada por segmentos, encontrou um suporte que garante a
estabilidade da escrita das palavras, isto é, cada palavra é sempre
escrita com as mesmas letras (não pode acontecer mais de associar
palavras diferentes a escritas iguais nem escritas diferentes se
associarem a uma mesma palavra), começa a ver que tudo o que diz se
escreve (não só os substantivos concretos)... Isto tudo significa uma
revolução impressionante na maneira de pensar do sujeito que está
investindo sobre a escrita, e esta revolução impressionante na maneira
de pensar do sujeito que está investindo sobre a escrita, e esta
revolução foi apenas esboçada. Ele colocou novos alicerces no edifício
do seu raciocínio, estabelecendo novos pontos de apoio, mas é preciso,
como na construção de uma casa, fechar paredes, pôr-lhe cobertura, etc.
Esta segunda fase intelectual é o que Piaget denomina de fase
discursiva. (GROSSI, 1990, p.56)
Entretanto
o alfabetizando irá com o passar do tempo entrar em uma fase
intermediária entre os níveis silábico e alfabético. Sendo assim,
descobre que a sílaba não é a menor unidade da palavra; e que uma letra
sozinha não serve para representar uma sílaba que, em geral, é composta
por elementos menores ainda. Ao descobrir que o esquema de uma letra
para cada sílaba não funciona, a primeira tentativa da criança é
acrescentar mais letras aleatoriamente. O que vai ajudá-la é a noção da
escrita de algumas palavras que já conhece como seu nome, os nomes de
seus familiares ou de pessoas conhecidas, nomes dos produtos de seu uso e
outros. Segundo Grossi,
O
confronto entre as grafias corretas de palavras e o tipo de escrita
silábica produzido pela criança é fonte de reflexão, e ajuda a passagem
para o nível alfabético, por que o aluno se dá conta de que há algo
incorreto na sua escrita que necessita ser alterado. (GROSSI, 1990,
p.21)
Nesse
momento, como em todos os outros, é de suma importância que a o aluno
tenha contato com variados portadores de texto e vários registros
escritos para que avance em seu processo de construção. O contato com
jogos e atividades em que as letras e sílabas sejam móveis, é muito
importante para que a criança evolua na sua construção alfabética.
Nível alfabético
No
início dessa hipótese, o estudante procurará solucionar esse problema
acrescentado letras às palavras novamente. Surgirão outros conflitos:
logo perceberá que, em algumas vezes, um único fonema pode ser
representado por várias letras e que pode existir mais de uma letra para
um mesmo fonema. Ela também percebe que, a partir do contexto em que
está inserida, a palavra deverá ser lida diferentemente.
Grossi coloca como de suma importância o professor saber que,
[...]
ter compreendido a formação alfabética das sílabas, não tem vinculação
expressa com o reconhecimento do valor convencional das sílabas não tem
vinculação com o reconhecimento do valor convencional do som das letras
escritas. Um aluno pode estar alfabético conhecendo pequeno ou grande
número de letras. Por isso, continuar trabalhando este reconhecimento
pode ser necessário mesmo para alunos alfabéticos. Também é importante
assinalar que somente no nível alfabético uma vinculação mais coerente
consegue ser estabelecida entre leitura e escrita que, até então, tinham
laço esporádico, flutuante, gratuito ou tênue. (GROSSI, 1990, p.24)
Tudo
isso que gera conflitos nos alunos que serão levadas à descoberta de
que existem regras para a escrita e que certas ”coisas”, certas regras
devem ser memorizadas ou, segundo Piaget, devem ser “assimiladas”. As
regras para a ortografia correta deverão ser trabalhadas somente quando a
criança já estiver completamente alfabetizada, quando poderá passar ao
nível ortográfico.
EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA SALA TEXTUALIZADA
No
processo de construção de conhecimento, as crianças de idades
aproximadas e expostas aos mesmos estímulos não aprendem em ritmo
uniforme. Em geral, as que tiveram contato, desde cedo, com situações de
letramento[2],
assistindo e participando de atos de leitura e de escrita, levam para a
escola conhecimentos prévios que facilitam sua alfabetização.
Mas
o fato de os alunos da turma estar em estágios diferentes de
letramento, ao invés de ser uma desvantagem, torna-se uma vantagem,
quando o professor souber tirar proveito da situação. Enfatizando estas
palavras Grossi, ressalta,
Dificilmente
uma classe inteira de alunos avança igualmente no mesmo espaço de
tempo. Esta heterogeneidade, ao invés de atrapalhar é muito benéfica ao
andamento dos trabalhos em aula. Na inteiração
de pontos de vista diferentes aumenta as possibilidades de aprender. A
emulação que se cria quando os alunos se percebem em níveis distintos,
se bem conduzidas, é fator de muito progresso numa classe. (GROSSI,
1990, p.27)
A
primeira e mais eficiente estratégia consiste em agrupar os alunos por
níveis diferentes de desenvolvimento, sempre deixando no grupo um aluno
mais adiantado. Este servirá de estímulo para os outros avançarem do
estágio em que se concentram (Desenvolvimento Real) para o estágio
seguinte (Estágio Potencial) [3].
Ter o colega como modelo, ou mesmo como monitor, é mais produtivo por
várias razões: O colega está mais próximo, fisicamente, o tempo todo. O
colega não é adulto, portanto é mais acessível do ponto de vista da
criança, é gratificante para o colega informante servir de monitor.
Com
a contribuição de pesquisadores como Vygotsky, Ferreiro e outros, o
conceito de alfabetização, bem como o modo de processá-lo, vem-se
modificando nos últimos dez anos. A criança se alfabetiza participando
de verdadeiros atos de leitura como: escutando histórias lidas,
reproduzindo a história em voz alta, “relendo-a” e reconhecendo aqui e
ali uma palavra do texto. Também “lendo” histórias em livros e revistas,
mesmo não sabendo decodificar os escritos, mas sendo auxiliada pelas
imagens e uma ou outra palavra reconhece.
Comparando
rótulos de produtos similares e marcas diferentes, reconhecendo-os
pelas cores, logotipos e escritos. “Lendo” e produzindo bilhetes,
cartas, convites para destinatários reais, antes de saber codificar e
decodificar o que escreve. Trazendo para a classe e “lendo” as outras
por educação. Comparando os nomes dos colegas com o dela e descobrindo
que o tamanho da palavra não é relativo ao tamanho ou à idade do ser
nomeado, mas relativo à pauta sonora que indica a quantidade de sílabas
da palavra e, posteriormente, quantos e quais fonemas a formam.
Nesse
sentido é importante trabalharmos de acordo com as orientações
transmitidas pelo MEC a respeito do Ensino Fundamental de nove anos,
pois segundo Borba,
Aprender
a ler imagens, sons, objetos, ampliam nossas possibilidades de sentir e
refletir sobre novas ações que criem outras formas de vida no sentido
de uma sociedade justa e feliz, assim como incita as crianças a também
se tornarem autoras de suas produções e de suas vidas ao mesmo tempo em
que se responsabilizam pela nossa herança cultural, por descobrirem seu
valor. (BORBA, 2007, p. 55)
Estamos
no século XXI, mas, ainda há muitas dúvidas sobre a melhor forma de
alfabetizar nossos alunos. Entretanto com o novo paradigma do ensino
fundamental de nove anos, temos que ter muita “bagagem teórica” e
ajustá-la a nossa prática, procurando dar o nosso melhor e ampliar todas
as possibilidades de fazer nossos alunos interagir evidenciando aquilo
que sabem e como o sabem. Precisamos ter uma visão bem clara de qual
nível cada aluno se encontra e procurar fazê-lo almejar a ir em busca de
algo a mais. Se há algum método de alfabetização de melhor eficácia?
Por enquanto não sei, mas com certeza qualquer método só será bom quando
ele estiver voltado para o ser, o fazer, o conhecer e o aprender.
Diante deste paradigma destaco as orientações dadas pelo MEC, quanto ao Ensino Fundamental de nove anos,
Nessa
faixa etária a criança já apresenta grandes possibilidades de
simbolizar e compreender o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo
múltiplas linguagens. [...] especificamente em relação à linguagem
escrita, a criança, nessa idade ou fase de desenvolvimento, que vive
numa sociedade letrada, possui um forte desejo de aprender, somado ao
especial significado que tem para ela freqüentar uma escola. [...]
Contudo, no que se refere ao aprendizado da linguagem escrita, a escola
possui um papel fundamental e decisivo, sobretudo para as crianças
oriundas de famílias de baixa renda e de pouca escolaridade. Do ponto de
vista pedagógico, é fundamental que a alfabetização seja adequadamente
trabalhada nessa faixa etária considerando-se que esse processo não se
inicia somente aos seis ou sete anos de idade, pois, em vários casos,
inicia-se bem antes, fato bastante relacionado à presença e ao uso da
língua escrita no ambiente da criança. As crianças não compreendidas
nesse quadro levam os professores a preocuparem-se com o que eles
consideram insuficiência ou ineficiência de requisitos. (MEC, 2004, p.
19-20)
Ao
fazer uma leitura mais detalhada destas orientações nota-se que as
crianças não devem ser consideradas como tábuas rasas no que diz
respeito à leitura e a escrita, e que devemos primar para que as mesmas
tenham contato com esse universo, mesmo antes de chegar ao contexto
escolar, nesse sentido a contextualização dessas crianças vão ao
encontro da aprendizagem inclusiva, a globalização, a incorporação de
novos valores sociais. Também dentro destas orientações cito o seguinte
parágrafo,
O
fato de as crianças serem alfabetizadas formalmente a partir dos seis
anos não constitui uma novidade no meio educacional brasileiro. Sabemos
que um grande número de crianças das camadas populares que têm
experiências relacionadas à alfabetização na instituição de educação
infantil, ou mesmo em casa, demonstra condições cognitivas necessárias a
este aprendizado. (MEC, 2004, p. 21)
Nesse
sentido também faço ressalvas as palavras de Oliveira, pois nos
alerta que não há uma idade propicia para a alfabetização, entretanto
Por
volta de 6 anos todos os mecanismos básicos para aprender já estão bem
estabelecidos. Também por volta do 6º aniversário começam a se
consolidar as áreas de associação terciárias na córtex pré-frontal. Esse
cabeamento neuronal permite à criança maior autocontrole e menor
dependência do córtex visual.(OLIVEIRA, 2006, p.12)
Como educadores devemos estar atentos a tudo e a todo o universo que cerca os nossos educandos, talvez o que antes já fora algo essencial, tais como os métodos iniciais de alfabetização e os mais recentes tais como nos aponta Ferreiro, já estão se tornando passado, pois estudos recentes voltados à neuropsicologia[4] apresentam novas fases do processo de alfabetização, conforme Fuentes
De
acordo com Ehri (1992, 1998, 2005), o desenvolvimento da habilidade de
ler palavras de memória desenvolve-se gradualmente, à medida que a
criança aprende os nomes e sons das letras e desenvolve a habilidade de
prestar atenção aos sons que compõem as palavras. Ehri descreve esse
desenvolvimento em quatro fases, cada um delas caracterizada por uma
estratégia dominante, embora de forma alguma exclusiva: 1.
pré-alfabética[5]; 2. alfabética parcial[6]; 3. alfabética completa[7]; 4. alfabética consolidada[8]. (FUENTES, 2008, p. 152)
Diante dessa abordagem ressalto o programa de formação continuada de professores, disponível no site do MEC, intitulado Pró-Letramento – Alfabetização e Linguagem, atualizado no ano de 2007 e com vistas ao Ensino Fundamental de nove anos,
especificamente no fascículo 1, que se organiza em torno de dois
objetivos: “- apresentar conceitos e concepções fundamentais ao processo
de alfabetização; - sistematizar as capacidades a serem atingidas pelas
crianças ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental de nove
anos” (MEC, 2007, p. 8). De forma muito sutil, inicia-se aí uma das
primeiras tentativas de organização curricular a nível nacional voltada
ao processo de alfabetização, no decorrer dos três primeiros anos do
Ensino Fundamental.
Frente
a essa perspectiva, o professor alfabetizador não é mais somente aquele
da primeira série, quando então tínhamos o Ensino Fundamental de 8
anos, mas sim todo e qualquer professor que atua nas séries iniciais
desse nível de ensino. Sendo assim, todos devem ter clareza de como se
dá a aprendizagem nesta faixa etária, bem como que tipo de metodologias
mais eficazes que contemplem o desenvolvimento de cada aluno.
[1] Métodos sintéticos –
partem da letra, da relação letra/som ou da sílaba, para chegar à
palavra. Consistem fundamentalmente entre a correspondência entre o oral
e o escrito, entre o som e a grafia. Consistem em ir das partes para o
todo.
[2] O processo de letramento,
tanto na leitura como na escrita, foi surgindo à medida que a vida
social e as foi-se revelando a insuficiência em apenas alfabetizar.
Portanto, o surgimento da palavra letramento deu-se pela insuficiência
de recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de
aprendizagem que realmente ampliassem o significado de alfabetização.
Alguém letrado é alguém que além de ler, tem clareza do que aquilo quer
dizer, ou seja, faz uma interpretação, faz uma leitura do contexto.
[3] Vygotsky descreve
dois níveis de desenvolvimento, denominados desenvolvimento real e
desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi
consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver
situações de forma a utilizando seu conhecimento de forma autônoma. O
nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os
processos de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é determinado
pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém encontram-se em processo. Isto significa
que a dialética que gerou o desenvolvimento real, gerou também
habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já
consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o
sujeito poderá construir.
[4] A neuropsicologia é
um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações
existentes entre e o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por
um lado, e as funções cognitivas por outro, tanto nas condições normais
quanto nas patologias.
[5] Pré-alfabética –
Durante a fase pré-alfabética, as crianças não parecem prestar atenção
às letras na grafia das palavras. Ao invés disso, elas aprendem a ler
com base na formação de uma conexão entre um aspecto saliente na grafia
da palavra ou ao seu redor (p. ex., o arco dourado que aparece atrás do
rótulo McDonald’s) e seu significado e/ou pronúncia. Com efeito, as
crianças em idade pré-escolar que participaram do estudo de Masonheimer,
Drum e Ehri(1984) mostraram-se alheias às trocas de letras introduzidas
em uma série de rótulos familiares (p. ex., Xepsi no lugar de Pepsi ou
OcDonald’s no lugar de McDonald’s) e continuaram a ler os rótulos como
se nada tivesse sido alterado (p. ex., lendo Pepsi em vez do Xepsi).
[6] Alfabética parcial –
À medida que as crianças aprendem os nomes e os sons das letras, elas
começam a compreender que as letras representam sons na pronuncia das
palavras e passam a ler por meio do processamento e do armazenamento de
relações entre as letras e os sons. Inicialmente, contudo, a criança só é
capaz de processar relações letra-som para algumas letras nas palavras,
talvez a primeira e a última letra. Por exemplo, ao ver e escutar a
palavra bebê, a criança pode notar que a letra “b” no início e no meio
da palavra corresponde ao som/be/que ela é capaz de detectar na
pronúncia da palavra. Essa compreensão permite-lhe usar informação de
natureza visuofonológica para criar uma via de acesso à memória, de
maneira que, ao ver a grafia da palavra novamente, ela consegue se
lembrar tanto do seu significado quanto de sua pronúncia. Contudo, uma
vez que a criança só é capaz de processar relações letra-som
parcialmente, a representação da palavra é ainda incompleta, algo como
B_B_.
[7] Alfabética Completa –
Caracteriza-se pela habilidade de ler por meio da recodificação
fonológica e requer o processamento de todas as relações letra-som na
palavra. Essa habilidade permite ao leitor armazenar representações
completas da grafia das palavras na memória. Como conseqüência a leitura
torna-se mais acurada. Ou seja, o leitor nessa fase é capaz de
identificar uma palavra familiar, como por exemplo, gato, a despeito de
sua semelhança com outras palavras também familiares como, por exemplo,
gata, gado, galo, gota, gola, pato, jato, etc.
[8] Alfabética Consolidada –
À medida que o vocabulário visual aumenta, sequencias de letras que
ocorrem em diversas palavras (e seus respectivos sons) são consolidadas
em unidades maiores, tornando os leitores capazes de operar com unidades
correspondentes a morfemas e/ou sílabas. Essas unidades são mais
econômicas, por que ajudam a reduzir o número de conexões entre a
escrita e a fala, necessárias para processar e armazenar a grafia das
palavras na memória.
REFERÊNCIAS:
BORBA, Ângela Meyer. As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola/ Ensino
Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de
seis anos de idade / org. Jeanete Beauchamp; Sandra Denise Pagel;
Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de educação Básica, 2007.
BRASIL- Lei nº 9394 de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília, DF, 1996.
FEIL, Iselda Terezinha Sausen. Alfabetização – Um Desafio Novo para um Novo Tempo. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1986.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FUENTES, D., MALLOY-DINIZ L. F., CAMARGO, C. H. P., COSENZA, R. M. et. al. (2008). Neuropsicologia – Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 1 Didática do nível pré-silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 2 Didática do nível silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 3 Didática do nível alfabético. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
MEC. - Ensino Fundamental de nove anos- Orientações Gerais. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Básica, 2004.
OLIVEIRA,João Batista Araújo e. SILVA, Liz Carlos Faria da. O impacto das séries iniciais: educação infantil, analfabetismo funcional e eqüidade. Artigo apresentado no Seminário sobre educação e Equidade, IETS – em outubro de 2006. Submetido para publicação. Disponível emhttp://www.iets.org.br/biblioteca/O_impacto_das_series_iniciais.pdf último acesso em 26/06/09
Nenhum comentário:
Postar um comentário