Falando sobre sexualidade infantil
Já
faz quase um século que Freud descreveu a sexualidade infantil,
escandalizando a sociedade daquela época. Desde então, muito se estudou e
falou sobre este assunto e, mais recentemente, com a inclusão da
educação sexual nas escolas, os pais estão se dando conta de que as
antigas fórmulas de “se livrar” do problema já não funcionam mais.
As crianças sofrem cada vez mais a influência da tevê, de amigos, de
parentes, de babás e empregadas, muitas vezes recebendo noções erradas e
prejudiciais. Se nós, os pais, conseguirmos manter um canal aberto com
nossos filhos, poderemos discutir e intervir no que não nos pare
cer correto.
Frequentemente temos dúvidas sobre o que responder e até onde responder
às perguntas de nossos filhos. Queremos que nossos filhos sejam mais bem
preparados do que fomos e que vivam sua sexualidade de forma mais
consciente, mas não sabemos como fazê-lo. É importante, primeiro, que
nos remetamos às nossas próprias dúvidas a esse respeito quando éramos
crianças e a como teríamos gostado que tivesse sido nossa orientação.
Dessa forma fica mais fácil entender a curiosidade de nossos filhos.
Educação sexual é um processo de vida inteira: teremos tempo de melhorar
o que não conseguirmos explicar da forma como gostaríamos. Não é fácil
para pais que não foram educados desta forma em sua infância, mas o
importante é tentar melhorar a educação que possam oferecer a seus
filhos. É bom saber que, assumindo ou não a tarefa de orientá-los,
conversando ou não, estaremos dando educação sexual. Dependendo da
atitude dos pais, as crianças aprendem se sexo é bonito ou feio, certo
ou errado, conversável ou não.
Há até bem pouco tempo, dizia-se às crianças que elas teriam vindo
trazidas pela cegonha, ou que haviam sido compradas no hospital, ou
ainda que teriam brotado de uma flor etc. Hoje, sabemos que não há
necessidade de mentir às crianças, mesmo porque elas são muito mais
espertas, recebem informações de várias fontes e, portanto, essas
“mentirinhas bobas” só servirão para nos desacreditar ante os nossos
filhos. Não pode ser considerado feio falar de algo que é natural. O
melhor a fazer é falar a verdade, para que possamos mostrar a seriedade
do assunto, evitando assim gozações, malícia, palavras de duplo sentido.
Inicialmente, as dúvidas das crianças dizem respeito às diferenças
anatômicas entre os sexos e ao nascimento propriamente dito. Elas fazem
suas próprias teorias sexuais, hipóteses acerca de como os bebês vão
parar nas barrigas de suas mães. Aos poucos, essas teorias vão sendo
questionadas e surgem então as dúvidas a respeito de como são
produzidos, enfim, os bebês.
As respostas devem ser simples e claras, não havendo necessidade de
responder além do que lhe for perguntado. Dar respostas insuficientes
faz com que a criança pergunte mais e mais ou, ainda, que vá procurar as
respostas em outras fontes nem sempre confiáveis; por outro lado, dar
respostas extensas demais, do tipo “aula completa”, também não é
indicado, é preciso buscar respostas de acordo com o que a criança for
solicitando.
Alguns de vocês podem estar se perguntando: “Será que tanta informação
não acabará por estimular na direção errada?”, ou então pensar: “Eu não
recebi educação sexual alguma e estou muito bem”. Contrariando
preconceitos, pesquisas mostram que crianças esclarecidas tendem a ser
mais responsáveis e a adiar o início de sua vida sexual (até porque sua
curiosidade foi devidamente saciada) até que amadureçam, possam fazer
uso de anticoncepcionais e escolher o parceiro certo.
As outras vantagens de conversar com os filhos sobre sexo desde as
primeiras dúvidas são: aumentar a intimidade e a afetividade entre si;
abrir caminhos para que se possa conversar sobre tudo; informar
corretamente, reduzindo as fantasias e a ansiedade delas decorrente; e,
por fim, prevenir futura gravidez indesejável e contaminações por
doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a aids, entre
outras.
Muito importante será nossa atitude ao responder às perguntas: o tom de
voz, a segurança nas informações, o fato de estarmos ou não à vontade,
tudo isto é captado pela criança também sob a forma de informação.
Aquela antiga história de separar meninos e meninas em grupos diferentes
no que se refere à sexualidade, estereotipando os papéis, também traz
sérias implicações. Como se não bastasse o fato de negar o igual direito
ao prazer no futuro sexual, é preciso saber que meninas passivas,
educadas para a submissão, se tornam presas fáceis de abusadores
sexuais; por sua vez, os meninos precisam ter espaço para demonstrar
suas emoções, o que os prepara para ser pais afetivos.
Os jogos sexuais infantis têm para a criança um sentido diferente
daquele dado pelo adulto, e jamais deve acontecer com crianças de idades
diferentes, para que não haja coerção.
Existe um período de 4 a 6 anos aproximadamente em que as crianças se
voltam para a região genital. Inicialmente a criança imagina que tanto
os meninos quanto as meninas possuem um pênis. Ao serem defrontadas com
as diferenças anatômicas entre os sexos, as crianças criam as chamadas
“teorias sexuais infantis”, imaginando que as meninas não têm pênis
porque este órgão lhe foi arrancado (complexo de castração). É neste
momento que a menina tem medo de perder o seu pênis.
Neste período surge também o complexo de Édipo, no qual o menino passa a
apresentar uma atração pela mãe e se rivalizar com o pai, e na menina
ocorre o inverso.
O aprendizado de palavrões é um fato comum entre as crianças a partir de
4 ou 5 anos. Em geral, repetem o que percebem ser proibido, embora não
tenham a mínima ideia de seu significado. Em geral, esclarecer seu
significado ajuda a criança a deixá-lo de lado e, mais uma vez, a
aproxima de seus pais com quem poderão sempre contar para esclarecer
suas dúvidas. Ensinar a criança que não é preciso imitar comportamentos
inadequados desde pequena é extremamente importante, até para que
futuramente ela não se sinta tentada, por coerção de grupos, a mostrar
comportamentos que não sejam de sua livre e espontânea vontade, como
fazer uso de cigarros, drogas e outros.
Ao final desta exposição, talvez vocês percebam que poderiam ter feito
melhor pela educação sexual de seus filhos, ou evitado algumas bobagens.
Não devemos nos culpar por isto. Não nascemos sabendo e somos frutos da
educação que tivemos. Assim como nossos pais, certamente fazemos o
melhor que somos capazes, e será muito bom que possamos ter a
oportunidade de repensar algumas situações e atitudes.
*Fernanda
Roche é psicóloga, mestre em Saúde Mental Infantil pela Clínica
Tavistock e coordenadora-geral do Espaço de Desenvolvimento Criança em
Foco.Falando sobre sexualidade infantil
Já
faz quase um século que Freud descreveu a sexualidade infantil,
escandalizando a sociedade daquela época. Desde então, muito se estudou e
falou sobre este assunto e, mais recentemente, com a inclusão da
educação sexual nas escolas, os pais estão se dando conta de que as
antigas fórmulas de “se livrar” do problema já não funcionam mais.
As crianças sofrem cada vez mais a influência da tevê, de amigos, de
parentes, de babás e empregadas, muitas vezes recebendo noções erradas e
prejudiciais. Se nós, os pais, conseguirmos manter um canal aberto com
nossos filhos, poderemos discutir e intervir no que não nos pare
cer correto.
Frequentemente temos dúvidas sobre o que responder e até onde responder
às perguntas de nossos filhos. Queremos que nossos filhos sejam mais bem
preparados do que fomos e que vivam sua sexualidade de forma mais
consciente, mas não sabemos como fazê-lo. É importante, primeiro, que
nos remetamos às nossas próprias dúvidas a esse respeito quando éramos
crianças e a como teríamos gostado que tivesse sido nossa orientação.
Dessa forma fica mais fácil entender a curiosidade de nossos filhos.
Educação sexual é um processo de vida inteira: teremos tempo de melhorar
o que não conseguirmos explicar da forma como gostaríamos. Não é fácil
para pais que não foram educados desta forma em sua infância, mas o
importante é tentar melhorar a educação que possam oferecer a seus
filhos. É bom saber que, assumindo ou não a tarefa de orientá-los,
conversando ou não, estaremos dando educação sexual. Dependendo da
atitude dos pais, as crianças aprendem se sexo é bonito ou feio, certo
ou errado, conversável ou não.
Há até bem pouco tempo, dizia-se às crianças que elas teriam vindo
trazidas pela cegonha, ou que haviam sido compradas no hospital, ou
ainda que teriam brotado de uma flor etc. Hoje, sabemos que não há
necessidade de mentir às crianças, mesmo porque elas são muito mais
espertas, recebem informações de várias fontes e, portanto, essas
“mentirinhas bobas” só servirão para nos desacreditar ante os nossos
filhos. Não pode ser considerado feio falar de algo que é natural. O
melhor a fazer é falar a verdade, para que possamos mostrar a seriedade
do assunto, evitando assim gozações, malícia, palavras de duplo sentido.
Inicialmente, as dúvidas das crianças dizem respeito às diferenças
anatômicas entre os sexos e ao nascimento propriamente dito. Elas fazem
suas próprias teorias sexuais, hipóteses acerca de como os bebês vão
parar nas barrigas de suas mães. Aos poucos, essas teorias vão sendo
questionadas e surgem então as dúvidas a respeito de como são
produzidos, enfim, os bebês.
As respostas devem ser simples e claras, não havendo necessidade de
responder além do que lhe for perguntado. Dar respostas insuficientes
faz com que a criança pergunte mais e mais ou, ainda, que vá procurar as
respostas em outras fontes nem sempre confiáveis; por outro lado, dar
respostas extensas demais, do tipo “aula completa”, também não é
indicado, é preciso buscar respostas de acordo com o que a criança for
solicitando.
Alguns de vocês podem estar se perguntando: “Será que tanta informação
não acabará por estimular na direção errada?”, ou então pensar: “Eu não
recebi educação sexual alguma e estou muito bem”. Contrariando
preconceitos, pesquisas mostram que crianças esclarecidas tendem a ser
mais responsáveis e a adiar o início de sua vida sexual (até porque sua
curiosidade foi devidamente saciada) até que amadureçam, possam fazer
uso de anticoncepcionais e escolher o parceiro certo.
As outras vantagens de conversar com os filhos sobre sexo desde as
primeiras dúvidas são: aumentar a intimidade e a afetividade entre si;
abrir caminhos para que se possa conversar sobre tudo; informar
corretamente, reduzindo as fantasias e a ansiedade delas decorrente; e,
por fim, prevenir futura gravidez indesejável e contaminações por
doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a aids, entre
outras.
Muito importante será nossa atitude ao responder às perguntas: o tom de
voz, a segurança nas informações, o fato de estarmos ou não à vontade,
tudo isto é captado pela criança também sob a forma de informação.
Aquela antiga história de separar meninos e meninas em grupos diferentes
no que se refere à sexualidade, estereotipando os papéis, também traz
sérias implicações. Como se não bastasse o fato de negar o igual direito
ao prazer no futuro sexual, é preciso saber que meninas passivas,
educadas para a submissão, se tornam presas fáceis de abusadores
sexuais; por sua vez, os meninos precisam ter espaço para demonstrar
suas emoções, o que os prepara para ser pais afetivos.
Os jogos sexuais infantis têm para a criança um sentido diferente
daquele dado pelo adulto, e jamais deve acontecer com crianças de idades
diferentes, para que não haja coerção.
Existe um período de 4 a 6 anos aproximadamente em que as crianças se
voltam para a região genital. Inicialmente a criança imagina que tanto
os meninos quanto as meninas possuem um pênis. Ao serem defrontadas com
as diferenças anatômicas entre os sexos, as crianças criam as chamadas
“teorias sexuais infantis”, imaginando que as meninas não têm pênis
porque este órgão lhe foi arrancado (complexo de castração). É neste
momento que a menina tem medo de perder o seu pênis.
Neste período surge também o complexo de Édipo, no qual o menino passa a
apresentar uma atração pela mãe e se rivalizar com o pai, e na menina
ocorre o inverso.
O aprendizado de palavrões é um fato comum entre as crianças a partir de
4 ou 5 anos. Em geral, repetem o que percebem ser proibido, embora não
tenham a mínima ideia de seu significado. Em geral, esclarecer seu
significado ajuda a criança a deixá-lo de lado e, mais uma vez, a
aproxima de seus pais com quem poderão sempre contar para esclarecer
suas dúvidas. Ensinar a criança que não é preciso imitar comportamentos
inadequados desde pequena é extremamente importante, até para que
futuramente ela não se sinta tentada, por coerção de grupos, a mostrar
comportamentos que não sejam de sua livre e espontânea vontade, como
fazer uso de cigarros, drogas e outros.
Ao final desta exposição, talvez vocês percebam que poderiam ter feito
melhor pela educação sexual de seus filhos, ou evitado algumas bobagens.
Não devemos nos culpar por isto. Não nascemos sabendo e somos frutos da
educação que tivemos. Assim como nossos pais, certamente fazemos o
melhor que somos capazes, e será muito bom que possamos ter a
oportunidade de repensar algumas situações e atitudes.
*Fernanda
Roche é psicóloga, mestre em Saúde Mental Infantil pela Clínica
Tavistock e coordenadora-geral do Espaço de Desenvolvimento Criança em
Foco.
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