NÓS, OS FABRICANTES DE SOLIDÃO
NÓS, OS FABRICANTES DE SOLIDÃO
publicado em sociedade por Mariana Ribeiro
É
um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente
irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se
superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a
experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar.
Somos
tão livres como nunca fomos. Pode-se escolher carreira, viagens,
hobbies, pessoas. Acima de tudo pessoas. Pode-se trocar de carreira, de
hobbies e de pessoas, o tempo todo. Por que o resultado disso não é
maravilhoso? Por que os cidadãos da era tinder são tão solitários? Por
que os pregadores do desapego nas redes sociais parecem tão felizes e
divertidos por lá e na realidade estão em desespero, viciados em
remédios? E de onde foi que eles saíram?
Estas
pessoas são solitárias, não porque não socializem, não saiam com os
amigos, não se divirtam. Elas fazem tudo isso e ainda têm um tinder que
bomba. Mas não criam laços. Todas essas coisas e pessoas (excetuando um
bom amigo ou outro) são efêmeras e desaparecem quando se está doente ou
sem dinheiro. Puf!
O
trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos emprestou as palavras
para falarmos desse fenômeno social que estamos vivendo.
As
explicações sobre a atual liquidez de tudo vieram a calhar, para
aqueles que têm a coragem de admitir e que têm interesse no que se passa
ao nosso redor. Em trabalhos como: “modernidade líquida” e “amor
líquido” encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos
moderno. Tais como: a perda de espaço e tempo implicados pelo avanço
tecnológico, a fragilidade dos laços humanos, a substituição de relações
presenciais por on-line e etc.
Mas
este artigo não é para falar de Zygmunt e sim para entendermos através
do embasamento que seu trabalho nos oferece, como nos tornamos
fabricantes de solidão e legitimadores da mesma.
Quando
falo do que “vivemos hoje”, não é por empatia com tempos passados, falo
do fenômeno social ocorrido como consequência de avanços tecnológicos e
culturais, principalmente a ideologia moderna da “liberdade”. A ideia
de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores,
que agora são extremamente relativos.
Você
começa uma família se quiser e quando quiser, você tem filhos se
quiser, você viaja para onde quiser, você não precisa se relacionar com o
sexo oposto, você é livre! Estamos todos inseridos na cultura do
respeito às diferenças. E tudo isso são avanços inegáveis, mas ainda não
estamos no paraíso por quê?
Todos
os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos
tiraram a noção de espaço e tempo interligados, como disse Bauman: “O
tempo se tornou dinheiro depois de se ter tornado uma ferramenta (ou
arma?) voltada principalmente a vencer a resistência do espaço: encurtar
as distâncias, tornar exequível a superação de obstáculos e limites à
ambição humana.” (BAUMAN, Modernidade Líquida, 2001, p.130)
Está
dada a largada então, para a conquista de espaço no menor tempo
possível e os competidores são, as um dia crianças, ensinadas que podiam
ser o que quisessem. E isso é o que importa agora, sucesso financeiro,
aquisição de espaço, ambição. Laços de afeto e a espiritualidade são
complementos necessários na vida de um cidadão moderno, saudável e
bem-sucedido, mas apenas complementos. E é muito bom que todos tenham
esses complementos, assim como carimbos no passaporte. E o ideal é que
sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque nada é certo),
onde não possam afetar suas prioridades de carreira e dinheiro.
É
preciso um espaço só seu para se concentrar nas prioridades, para focar
e competir no dia a dia com máxima eficiência. Cria-se uma bolha.
E
de dentro das bolhas do individualismo olha-se para fora, para uma
imensidão de possibilidades. As redes sociais disseminam a sensação de
que há uma infinidade de pessoas a nossa volta, todas legais e felizes,
tentando parecer mais bonitas e mais felizes que outros. Todas postando
seus momentos de alegria e sucesso. Cria-se um ideal inalcançável, pois é
atualizado o tempo todo nas redes. Então cá no nosso dia a dia como
escolher alguém?
Com
uma escolha feita parece-se estar perdendo tanto! Como amar alguém e
perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que
lotam o facebook e o instagram?
Além
disso, as pessoas presenciais são humanas e falhas, dão trabalho e
nunca correspondem ao ideal disseminado pelas redes. E aí é que são
descartadas e trocadas por outras. Sempre na compulsão de tentar de
novo, de achar a pessoa certa, que “cabe no sonho”, como disse Cazuza. É
muito fácil dizer que não deu certo e se desprender de
responsabilidades na tentativa, dizer: “é a vida”.
E volta-se para casa só e começa-se tudo de novo amanhã.
Fazemos-nos
todos descartáveis e reclamamos quando somos descartados, reclamamos da
solidão dentro da bolha. Coloca-se a culpa num mundo louco e
insensível, quando nós somos o mundo. E a coisa real que todos
compartilhamos no fim das contas é a solidão. Ninguém está realmente lá,
todos estão indo e vindo. Bauman explica o fenômeno dos laços frouxos e
repetitivos que fazemos:
O
cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores
são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e
dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o
restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das
conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes
ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo,
eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez
desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na
modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes. (BAUMAN, Amor
Líquido, 2004, p.6)
As
consequências da liberdade são assustadoras. Ela é um fenômeno que a
maioria ambiciona entender, uma fonte de prazeres e dores de que ninguém
abre mão. Talvez todos pensem entender a liberdade, pois têm um
conceito individual da mesma, mas ela está acima das ideias.
A
liberdade é acima de tudo ambígua. Zygmunt diz que nenhuma sociedade
conseguiu ainda o equilíbrio entre segurança e liberdade, se estamos
seguros somos escravos e se estamos livres, não temos segurança. Estamos
mais para o segundo caso, somos livres, mas temos tudo líquido a nossa
volta, nada seguro.
E
quem vai ter a coragem de construir um relacionamento seguro abrindo
mão da sua liberdade pessoal? Esta pseudo-liberdade de fazer tantas
coisas que não darão frutos e que oferece momentos de inserção na ideia
atual de felicidade.
E
ainda, quem serão os mais que corajosos a investir em algo sólido, com
laços afetivos, confiança, lealdade e durabilidade, com dores e prazeres
a longo prazo, quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e
sem ambição?
Talvez,
por isso, é que nem mesmo pessoas totalmente conscientes dessa
realidade conseguem criar laços duradouros, afinal, é suicídio social
ser fora de moda e sem ambição.
E
como diz Bauman: “Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas
qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se
ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que
o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.”
(BAUMAN, Amor líquido, 2004, p.12).
Como
já foi dito, os planos de formar família ou mesmo um relacionamento
duradouro são colocados num futuro incerto e distante, “vou querer
quietar um dia”, ouve-se muito isso. As pessoas acreditam estar
aprendendo com suas experiências de amores líquidos, ficadas e rolos,
para um dia aplicar a um relacionamento que já vem sendo idealizado,
mais inalcançável depois de cada experiência, obtida com pessoas
defeituosas, de forma que se exige mais e mais daquela que seria a
certa.
É
um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente
irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se
superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a
experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar. Sobre isso
Bauman diz:
Essa
é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com
a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios
intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori
de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim
adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” [...]
Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada
sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar uma outra no
futuro... (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.11)
Toda
essa cultura e essa vivência de correr atrás do vento fabricam solidão e
não daquele tipo que se precisa de vez em quando, mas de um tipo
disfarçado e disseminado, que está nas nossas músicas e filmes, está nas
redes e na moda, está no estilo de vida e tem corroído por dentro a fé
da humanidade na humanidade.
Quem
não viu o primeiro episódio do famoso seriado Americano, Sex And The
City, baseado no livro de Candace Bushnell? A narração de Carrie
Bradshaw que abre o seriado:
Bem-vinda
à época da não-inocência [...] Autopreservação e fazer bons negócios
são mais importantes. O cupido voou do pedaço. Como diabos viemos parar
nessa bagunça? Há milhares de mulheres nessa situação, todos as
conhecemos e concordamos que são ótimas. Elas viajam, pagam impostos,
pagam 400US$ em um par de sandálias Manolo Blahnik e são solitárias.
Quem
não viu o filme Her, e acompanhou a maneira fácil e a gradual com que o
personagem Theodore se apaixona por um programa de inteligência
artificial, chamado Samantha, criado para ajudar usuários a se
organizarem em suas vidas online? A ex-esposa de Theodore diz a ele:
É o que você sempre quis. Ter uma esposa sem o desafio de ter que lidar com algo real.
Se
quisermos alterar essa realidade, será preciso parar a corrida em
diversos momentos e olhar para o outro, desobrigando-o de ser
fantástico, pois ele não é um filme ou seriado, é um ser humano. E o
outro ser humano é o único que pode corresponder com a companhia que
nós, por natureza, necessitamos.
© obvious: http://obviousmag.org/inquietudes/2015/05/nos-os-fabricantes-de-solidao.html#ixzz3an8eRv8t
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook
1) Por que a autora afirma, no primeiro parágrafo do texto, que se pode escolher “acima de tudo pessoas”?
2) Por que, segundo a autora, as pessoas da geração tinder são solitárias?
3) Qual é o fenômeno social decorrente de avanços tecnológicos e culturais?
4) Qual é o conceito moderno de "liberdade"?
5) Quem são, segundo a autora, os competidores em busca de espaço no menor tempo possível?
6) O que é importante, segundo a autora, nos dias de hoje?
7) Qual é o ideal inalcançável ao qual a autora se refere, no 11º parágrafo?
8) Por que a liberdade é ambígua, segundo o texto?
9) O que a autora define como "pseudo-liberdade"?
10) O que a autora define como "suicídio cultural"?
11) Como poderemos mudar essa realidade de amores líquidos, de acordo com o texto?
12) Em relação à substituição vocabular, analise as afirmações abaixo e assinale a alternativa correta.
I - "Todas essas coisas e pessoas (excetuando um bom amigo ou outro) são efêmeras [...]" (2º parágrafo) - O termo destacado pode ser substituído por "passageiras" sem alterar o sentido da frase.
II - "[...] encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos moderno." (4º parágrafo) - o termo destacado é sinônimo de "tranquilidade".
III - "Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos" ausentes ou obsoletos [...]" (16º parágrafo) - podemos substituir os termos destacados por "elos" e "ultrapassados", sem alterar o sentido da frase.
IV - "O cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, [...]" - O termo destacado refere-se aos que vieram antes de nós.
V - "A liberdade é acima de tudo ambígua." - A frase deixa claro que a liberdade tem mais de um sentido.
a) Todas as alternativas estão corretas.
b) Nenhuma alternativa está correta.
c) I, III e V estão corretas.
d) II e IV estão corretas.
e) Apenas a II está correta.
13)
O prefixo -IN pode atribuir às palavras um sentido de negação. Assinale
a alternativa onde o prefixo não assume esse significado.
a) Inseridos
b) Inegáveis
c) Incerto
d) Insensível
e) Inalcançável
14) O
prefixo -DES pode atribuir às palavras um sentido de negação. Assinale a
alternativa onde o prefixo não assume esse significado.
a) Desapego
b) Desligados
c) Descartados
d) Desprender
e) Desafio
15) Observe a frase: "Por que o resultado disso não é maravilhoso? (1º parágrafo). O pronome destacado refere-se ao quê?
16) Na frase: "Estas pessoas são solitárias, não porque não socializem, não saiam com os amigos, não se divirtam." (2º parágrafo). A quem se refere o pronome demonstrativo destacado?
17) Identifique a que termos anteriores os pronomes relativos destacados nas frases abaixo se referem:
a) "A ideia de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores, que agora são extremamente relativos." (6º parágrafo).
b) "Todos os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos tiraram a noção de espaço e tempo interligados [...]" (8º parágrafo).
c) "E
o ideal é que sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque
nada é certo), onde não possam afetar suas prioridades de carreira e
dinheiro." (9º parágrafo).
d) "Como amar alguém e perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que lotam o facebook e o instagram?" (12º parágrafo).
e) "[...] habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade." (16º parágrafo).
18) "E de onde foi que eles saíram?" (1º parágrafo). O pronome eles se refere a quem?
19) Observe a frase: "[...] quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e sem ambição?(20º parágrafo). O pronome destacado na frase refere-se a quem?
20) Reescreva as frases abaixo, substituindo as expressões destacadas pelos pronomes adequados:
a) "[...] encurtar as distâncias,[...]" (8º parágrafo).
b) "Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna [...]" (16º parágrafo).
c) "[...] criado para ajudar usuários a se organizarem em suas vidas online?"
21) Observe a frase: "[...] e sim para entendermos através do embasamento que seu trabalho nos oferece,[...]" (5º parágrafo). O pronome destacado é um pronome possessivo. Qual é a função deste pronome, no contexto da frase destacada?
NÓS, OS FABRICANTES DE SOLIDÃO
NÓS, OS FABRICANTES DE SOLIDÃO
publicado em sociedade por Mariana Ribeiro
É
um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente
irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se
superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a
experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar.
Somos
tão livres como nunca fomos. Pode-se escolher carreira, viagens,
hobbies, pessoas. Acima de tudo pessoas. Pode-se trocar de carreira, de
hobbies e de pessoas, o tempo todo. Por que o resultado disso não é
maravilhoso? Por que os cidadãos da era tinder são tão solitários? Por
que os pregadores do desapego nas redes sociais parecem tão felizes e
divertidos por lá e na realidade estão em desespero, viciados em
remédios? E de onde foi que eles saíram?
Estas
pessoas são solitárias, não porque não socializem, não saiam com os
amigos, não se divirtam. Elas fazem tudo isso e ainda têm um tinder que
bomba. Mas não criam laços. Todas essas coisas e pessoas (excetuando um
bom amigo ou outro) são efêmeras e desaparecem quando se está doente ou
sem dinheiro. Puf!
O
trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos emprestou as palavras
para falarmos desse fenômeno social que estamos vivendo.
As
explicações sobre a atual liquidez de tudo vieram a calhar, para
aqueles que têm a coragem de admitir e que têm interesse no que se passa
ao nosso redor. Em trabalhos como: “modernidade líquida” e “amor
líquido” encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos
moderno. Tais como: a perda de espaço e tempo implicados pelo avanço
tecnológico, a fragilidade dos laços humanos, a substituição de relações
presenciais por on-line e etc.
Mas
este artigo não é para falar de Zygmunt e sim para entendermos através
do embasamento que seu trabalho nos oferece, como nos tornamos
fabricantes de solidão e legitimadores da mesma.
Quando
falo do que “vivemos hoje”, não é por empatia com tempos passados, falo
do fenômeno social ocorrido como consequência de avanços tecnológicos e
culturais, principalmente a ideologia moderna da “liberdade”. A ideia
de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores,
que agora são extremamente relativos.
Você
começa uma família se quiser e quando quiser, você tem filhos se
quiser, você viaja para onde quiser, você não precisa se relacionar com o
sexo oposto, você é livre! Estamos todos inseridos na cultura do
respeito às diferenças. E tudo isso são avanços inegáveis, mas ainda não
estamos no paraíso por quê?
Todos
os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos
tiraram a noção de espaço e tempo interligados, como disse Bauman: “O
tempo se tornou dinheiro depois de se ter tornado uma ferramenta (ou
arma?) voltada principalmente a vencer a resistência do espaço: encurtar
as distâncias, tornar exequível a superação de obstáculos e limites à
ambição humana.” (BAUMAN, Modernidade Líquida, 2001, p.130)
Está
dada a largada então, para a conquista de espaço no menor tempo
possível e os competidores são, as um dia crianças, ensinadas que podiam
ser o que quisessem. E isso é o que importa agora, sucesso financeiro,
aquisição de espaço, ambição. Laços de afeto e a espiritualidade são
complementos necessários na vida de um cidadão moderno, saudável e
bem-sucedido, mas apenas complementos. E é muito bom que todos tenham
esses complementos, assim como carimbos no passaporte. E o ideal é que
sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque nada é certo),
onde não possam afetar suas prioridades de carreira e dinheiro.
É
preciso um espaço só seu para se concentrar nas prioridades, para focar
e competir no dia a dia com máxima eficiência. Cria-se uma bolha.
E
de dentro das bolhas do individualismo olha-se para fora, para uma
imensidão de possibilidades. As redes sociais disseminam a sensação de
que há uma infinidade de pessoas a nossa volta, todas legais e felizes,
tentando parecer mais bonitas e mais felizes que outros. Todas postando
seus momentos de alegria e sucesso. Cria-se um ideal inalcançável, pois é
atualizado o tempo todo nas redes. Então cá no nosso dia a dia como
escolher alguém?
Com
uma escolha feita parece-se estar perdendo tanto! Como amar alguém e
perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que
lotam o facebook e o instagram?
Além
disso, as pessoas presenciais são humanas e falhas, dão trabalho e
nunca correspondem ao ideal disseminado pelas redes. E aí é que são
descartadas e trocadas por outras. Sempre na compulsão de tentar de
novo, de achar a pessoa certa, que “cabe no sonho”, como disse Cazuza. É
muito fácil dizer que não deu certo e se desprender de
responsabilidades na tentativa, dizer: “é a vida”.
E volta-se para casa só e começa-se tudo de novo amanhã.
Fazemos-nos
todos descartáveis e reclamamos quando somos descartados, reclamamos da
solidão dentro da bolha. Coloca-se a culpa num mundo louco e
insensível, quando nós somos o mundo. E a coisa real que todos
compartilhamos no fim das contas é a solidão. Ninguém está realmente lá,
todos estão indo e vindo. Bauman explica o fenômeno dos laços frouxos e
repetitivos que fazemos:
O
cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores
são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e
dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o
restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das
conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes
ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo,
eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez
desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na
modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes. (BAUMAN, Amor
Líquido, 2004, p.6)
As
consequências da liberdade são assustadoras. Ela é um fenômeno que a
maioria ambiciona entender, uma fonte de prazeres e dores de que ninguém
abre mão. Talvez todos pensem entender a liberdade, pois têm um
conceito individual da mesma, mas ela está acima das ideias.
A
liberdade é acima de tudo ambígua. Zygmunt diz que nenhuma sociedade
conseguiu ainda o equilíbrio entre segurança e liberdade, se estamos
seguros somos escravos e se estamos livres, não temos segurança. Estamos
mais para o segundo caso, somos livres, mas temos tudo líquido a nossa
volta, nada seguro.
E
quem vai ter a coragem de construir um relacionamento seguro abrindo
mão da sua liberdade pessoal? Esta pseudo-liberdade de fazer tantas
coisas que não darão frutos e que oferece momentos de inserção na ideia
atual de felicidade.
E
ainda, quem serão os mais que corajosos a investir em algo sólido, com
laços afetivos, confiança, lealdade e durabilidade, com dores e prazeres
a longo prazo, quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e
sem ambição?
Talvez,
por isso, é que nem mesmo pessoas totalmente conscientes dessa
realidade conseguem criar laços duradouros, afinal, é suicídio social
ser fora de moda e sem ambição.
E
como diz Bauman: “Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas
qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se
ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que
o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.”
(BAUMAN, Amor líquido, 2004, p.12).
Como
já foi dito, os planos de formar família ou mesmo um relacionamento
duradouro são colocados num futuro incerto e distante, “vou querer
quietar um dia”, ouve-se muito isso. As pessoas acreditam estar
aprendendo com suas experiências de amores líquidos, ficadas e rolos,
para um dia aplicar a um relacionamento que já vem sendo idealizado,
mais inalcançável depois de cada experiência, obtida com pessoas
defeituosas, de forma que se exige mais e mais daquela que seria a
certa.
É
um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente
irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se
superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a
experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar. Sobre isso
Bauman diz:
Essa
é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com
a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios
intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori
de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim
adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” [...]
Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada
sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar uma outra no
futuro... (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.11)
Toda
essa cultura e essa vivência de correr atrás do vento fabricam solidão e
não daquele tipo que se precisa de vez em quando, mas de um tipo
disfarçado e disseminado, que está nas nossas músicas e filmes, está nas
redes e na moda, está no estilo de vida e tem corroído por dentro a fé
da humanidade na humanidade.
Quem
não viu o primeiro episódio do famoso seriado Americano, Sex And The
City, baseado no livro de Candace Bushnell? A narração de Carrie
Bradshaw que abre o seriado:
Bem-vinda
à época da não-inocência [...] Autopreservação e fazer bons negócios
são mais importantes. O cupido voou do pedaço. Como diabos viemos parar
nessa bagunça? Há milhares de mulheres nessa situação, todos as
conhecemos e concordamos que são ótimas. Elas viajam, pagam impostos,
pagam 400US$ em um par de sandálias Manolo Blahnik e são solitárias.
Quem
não viu o filme Her, e acompanhou a maneira fácil e a gradual com que o
personagem Theodore se apaixona por um programa de inteligência
artificial, chamado Samantha, criado para ajudar usuários a se
organizarem em suas vidas online? A ex-esposa de Theodore diz a ele:
É o que você sempre quis. Ter uma esposa sem o desafio de ter que lidar com algo real.
Se
quisermos alterar essa realidade, será preciso parar a corrida em
diversos momentos e olhar para o outro, desobrigando-o de ser
fantástico, pois ele não é um filme ou seriado, é um ser humano. E o
outro ser humano é o único que pode corresponder com a companhia que
nós, por natureza, necessitamos.
© obvious: http://obviousmag.org/inquietudes/2015/05/nos-os-fabricantes-de-solidao.html#ixzz3an8eRv8t
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1) Por que a autora afirma, no primeiro parágrafo do texto, que se pode escolher “acima de tudo pessoas”?
2) Por que, segundo a autora, as pessoas da geração tinder são solitárias?
3) Qual é o fenômeno social decorrente de avanços tecnológicos e culturais?
4) Qual é o conceito moderno de "liberdade"?
5) Quem são, segundo a autora, os competidores em busca de espaço no menor tempo possível?
6) O que é importante, segundo a autora, nos dias de hoje?
7) Qual é o ideal inalcançável ao qual a autora se refere, no 11º parágrafo?
8) Por que a liberdade é ambígua, segundo o texto?
9) O que a autora define como "pseudo-liberdade"?
10) O que a autora define como "suicídio cultural"?
11) Como poderemos mudar essa realidade de amores líquidos, de acordo com o texto?
12) Em relação à substituição vocabular, analise as afirmações abaixo e assinale a alternativa correta.
I - "Todas essas coisas e pessoas (excetuando um bom amigo ou outro) são efêmeras [...]" (2º parágrafo) - O termo destacado pode ser substituído por "passageiras" sem alterar o sentido da frase.
II - "[...] encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos moderno." (4º parágrafo) - o termo destacado é sinônimo de "tranquilidade".
III - "Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos" ausentes ou obsoletos [...]" (16º parágrafo) - podemos substituir os termos destacados por "elos" e "ultrapassados", sem alterar o sentido da frase.
IV - "O cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, [...]" - O termo destacado refere-se aos que vieram antes de nós.
V - "A liberdade é acima de tudo ambígua." - A frase deixa claro que a liberdade tem mais de um sentido.
a) Todas as alternativas estão corretas.
b) Nenhuma alternativa está correta.
c) I, III e V estão corretas.
d) II e IV estão corretas.
e) Apenas a II está correta.
13)
O prefixo -IN pode atribuir às palavras um sentido de negação. Assinale
a alternativa onde o prefixo não assume esse significado.
a) Inseridos
b) Inegáveis
c) Incerto
d) Insensível
e) Inalcançável
14) O
prefixo -DES pode atribuir às palavras um sentido de negação. Assinale a
alternativa onde o prefixo não assume esse significado.
a) Desapego
b) Desligados
c) Descartados
d) Desprender
e) Desafio
15) Observe a frase: "Por que o resultado disso não é maravilhoso? (1º parágrafo). O pronome destacado refere-se ao quê?
16) Na frase: "Estas pessoas são solitárias, não porque não socializem, não saiam com os amigos, não se divirtam." (2º parágrafo). A quem se refere o pronome demonstrativo destacado?
17) Identifique a que termos anteriores os pronomes relativos destacados nas frases abaixo se referem:
a) "A ideia de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores, que agora são extremamente relativos." (6º parágrafo).
b) "Todos os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos tiraram a noção de espaço e tempo interligados [...]" (8º parágrafo).
c) "E
o ideal é que sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque
nada é certo), onde não possam afetar suas prioridades de carreira e
dinheiro." (9º parágrafo).
d) "Como amar alguém e perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que lotam o facebook e o instagram?" (12º parágrafo).
e) "[...] habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade." (16º parágrafo).
18) "E de onde foi que eles saíram?" (1º parágrafo). O pronome eles se refere a quem?
19) Observe a frase: "[...] quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e sem ambição?(20º parágrafo). O pronome destacado na frase refere-se a quem?
20) Reescreva as frases abaixo, substituindo as expressões destacadas pelos pronomes adequados:
a) "[...] encurtar as distâncias,[...]" (8º parágrafo).
b) "Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna [...]" (16º parágrafo).
c) "[...] criado para ajudar usuários a se organizarem em suas vidas online?"
21) Observe a frase: "[...] e sim para entendermos através do embasamento que seu trabalho nos oferece,[...]" (5º parágrafo). O pronome destacado é um pronome possessivo. Qual é a função deste pronome, no contexto da frase destacada?
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